“Fui oficialmente censurado pelo senhor presidente da República”, anunciou, em agosto passado, o arapiraquense Émerson Maranhão, por meio de uma rede social. Na noite anterior, enquanto o cineasta dormia, o projeto de série ‘Transversais’, de sua autoria, era o assunto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em uma transmissão ao vivo. O presidente comunicava uma espécie de “veto prévio” ao financiamento de produções que, segundo o próprio Bolsonaro, estavam aptas a receber aporte financeiro em edital público da Agência Nacional do Cinema, a Ancine.
“Um filme chama ‘Transversais’. Olha o tema: ‘Sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará. Conseguimos abortar essa missão”, disse Bolsonaro sobre o filme do alagoano.
‘Transversais’ é uma série de cinco episódios, que conta a história de cearenses transgênero. Segundo o produtor Allan Deberton, a obra fala da superação de obstáculos, como a entrada na faculdade e a conquista do primeiro emprego. “Foi barrado somente por ter temática LGBT”, afirmou o produtor.
A pesquisa para realizar a série durou três anos e o roteiro é decorrente do documentário “Aqueles Dois”, premiada produção do alagoano Émerson Maranhão e que acumula 28 seleções em festivais de cinema, dentro e fora do Brasil. Após a fala do presidente, o sonho de tirar a série do papel ficou ainda mais distante, já que o Ministério da Cidadania suspendeu o edital “RDE/FSA PRODAV - 2018”, no qual concorriam transversais e outras três produções audiovisuais nominadas publicamente por Bolsonaro.
O edital visava selecionar séries de TV para financiamento por meio do Fundo Setorial de Audiovisual (FSA) e previa que os vencedores de cada região do Brasil receberiam entre R$ 400 mil e R$ 2 milhões. Para a categoria “diversidade de gênero” a previsão era de R$ 400 mil para cada obra, o menor valor entre todas as categorias.
A portaria que informava a suspensão do edital justificou a decisão com a “necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual - CGFSA”.
REVIRAVOLTAS
O primeiro revés sofrido pelo governo, após o ministro Osmar Terra suspender o edital de fomento, foi a saída do secretário de cultura Henrique Pires, que deixou a pasta alegando não compactuar com o que chamou de “política de censura”. Logo depois, entidades e políticos impetraram ações na justiça para suspender a portaria do Ministério da Cidadania.
A primeira decisão contra a portaria de Osmar Terra foi da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que concedeu tutela de urgência para obrigar a União a dar continuidade ao chamamento público. A juíza Laura Bastos Carvalho avaliou que existem fortes indícios de que o governo agiu de forma discriminatória a homossexuais e transexuais ao suspender o edital.
No último dia 10 de outubro, o juiz federal Alfredo Jara Moura, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), manteve a liminar que determinou à Ancine que retomasse o processo de seleção de projetos audiovisuais.
Até o fechamento desta edição, o Ministério da Cidadania não informou se pretende recorrer da decisão da justiça.