15 anos atrás, o sururu, amplamente consumido em Alagoas, se tornava alimento para além do estômago, pelo menos de maneira oficial. Explico: existia o sururu como símbolo antes de Edson Bezerra publicar o Manifesto Sururu no jornal Gazeta de Alagoas, em 2004. O que o autor do ensaio fez foi sintetizar vozes silenciadas que, ele sustenta, muitos preferem ignorar.
‘Manifesto Sururu: por uma antropofagia das coisas alagoanas’, já foi lançado em formato de livro, já foi reeditado e será verbalizado e discutido na noite desta sexta-feira, 18, em evento que celebra os 15 anos da obra ‘Bezerreana’.
A festa será no Zeppelin Bar e contará com a leitura dramática feita pelo ator José Márcio Passos, que será acompanhado por Wilson Santos e Dalmo Almeida. Além da atração, o autor estará acompanhado de estudiosos e pensadores populares, que discutirão o texto. A noite também marca o lançamento da 2ª edição do manifesto em formato de livro.
Inspirado na Lagoa Mundaú, o ensaio propõe um olhar atento e a exaltação às questões identitárias alagoanas. A provocação nasceu do batuque dos negros e da mistura da lama. No texto, Edson Bezerra evoca uma ancestralidade escondida, soterrada pela construção da modernidade.
O professor universitário ainda considera válido, quinze anos depois, olhar para trás para poder ver adiante. Ele defende o manifesto como um dos mais importantes textos alagoanos e diz que existe uma urgência de se descobrir Alagoas.
“Eu estava pensando nisso ontem”, disse o antropólogo, ao ser questionado sobre o diálogo do Manifesto Sururu com a atualidade. Para o professor, é comum confundirem Alagoas, compará-la a outras unidades federativas e, ainda, criarem narrativas históricas e identitárias que nada tem a ver com o que o Estado realmente é: uma terra baseada em lagoas e sururus.
“Hoje existem identidades alagoanas formadas pela mídia, como a identidade ‘Sol e Mar’. Ela é muito deficiente, rasa. A identidade que evocamos no manifesto é muito mais primitiva e surge a partir da análise de uma outra, que é a de Alagoas “terra dos marechais”. É uma identidade a partir do entranhamento, da cultura popular. O sururu é o alimento ancestral de Alagoas e nos leva a uma Alagoas profunda”, diz o escritor.
“Quando eu escrevi o texto, eu não imaginava que ele teria o impacto que ele teve. E hoje ele é o texto mais lido e compartilhado da cultura alagoana, ressalvando os clássicos. É um texto atemporal, atualizado permanentemente, porque trata de uma Alagoas profunda, que é uma Alagoas que nutre a si própria”, continua.
Bezerra afirma que a reedição do manifesto também quer chamar a atenção dos alagoanos para a situação das lagoas, que batizaram o estado e que, segundo ele, estão abandonadas.
“Temos 65 lagoas completamente abandonadas. São celeiros, reservas de uma economia sustentável. É como se Alagoas ainda estivesse para ser descoberta. Então, sempre podemos celebrar a esperança. Lamentamos não ter descoberto o potencial que temos. Alagoas possui as manifestações culturais mais fortes do país, um sistema de produção de artesanato forte e pouco explorado. Um acervo artístico e cultural imenso, do qual não temos consciência. E mesmo com nosso campo cultural frágil, produzimos gênios como Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Pontes de Miranda e Rosalvo Ribeiro. Ou seja, Alagoas é um grande mistério e é isso que temos a celebrar: o mistério Alagoas”, relatou o professor e escritor.
GRANDE SARAU DOS 15 ANOS
Além do ator José Márcio Passos, grande parceiro do escritor Edson Bezerra, o evento desta sexta quer ressaltar a importância do Manifesto Sururu reunindo tribos diversas. Haverá exposição de livros de autores alagoanos e, ainda, shows com Júnior Almeida, Mácleim Carneiro, Jurandir Bozo, Basilio Sé e Nara Cordeiro.
Em relato ao Caderno B, Zé Márcio, como é conhecido, destacou o afeto que nutre pela obra. “Esse manifesto, faz mais de dez anos. E ele [Edson Bezerra] sempre me procurou porque eu trabalho com teatro e ele sempre está ligado ao meio. Ele sempre me procurou, me mostrou. Como exemplo, ele fez um lançamento e eu que falei. Já estive com ele em lançamento em universidade, praça pública, festa cultural, teatro. É um manifesto onde se exalta a necessidade da defesa do estado, dos valores alagoanos, é sempre uma prazer”, expõe.
Para Zé Márcio, a cena cultural alagoana está melhor abastecida do que em outros tempos. “Eu acho que está tendo um interesse maior de pessoas, elas estão sendo esclarecidas para necessidade dessa defesa dos nossos valores. Eu fiz um monólogo de Fernando Fiúza, em 2014, e de lá pra cá já fiz uns quatro, cinco espetáculos com Homero Cavalcante. E percebi que os escritos eram todos de alagoanos. Tem crescido. A gente tem criado o hábito de incentivar a criação alagoana de literatura, não só no teatro, mas em outros aspectos. É uma alegria”, disse.