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Nº 5868
Caderno B

SALÕES E SARAUS

Duo Harmony Lied fez a última apresentação da 20ª edição do projeto Teatro Deodoro é o Maior Barato; Nelson Braga acompanhou o espetáculo e conta como foi

Por NELSON BRAGA*/ ESPECIAL PARA A GAZETA | Edição do dia 27/11/2019 - Matéria atualizada em 27/11/2019 às 06h00

  A última apresentação de 2019 da 20ª edição do projeto Teatro é o Maior Barato da Diteal, a Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas, fugiu do óbvio. Acostumados a assistir espetáculos de teatro, dança e música popular brasileira, sejam autorais ou de bons intérpretes que desfilam repertórios de fácil assimilação, desta feita foi selecionado para encerrar o projeto cultural, na quarta-feira, dia 20 de novembro, um gênero musical com uma pegada erudita, mais afeito a apresentações em salões e saraus. Mas o palco do Teatro Deodoro tem a dimensão de colo materno. Nele acomodam-se todas as vertentes artísticas e culturais, sem distinção de gênero, credo ou matiz étnica. E foi neste contexto que chegamos à mais tradicional casa de cultura de nossa cidade para assistir o “Duo Harmony Lied” naquela noite. Não nos surpreendemos ao encontrar uma diminuta assistência que ocupava um pouco mais que a metade das poltronas da plateia do Deodoro, e acreditamos que a produção do espetáculo já aguardava por isso, estando ciente do tamanho de seu público, tanto que projetou a tertúlia musical de modo minimalista. Do palco utilizou-se apenas o proscênio, servindo-se inclusive das cortinas fechadas como rotunda, sendo nelas disposta iluminação fixa. Nesse curto espaço cênico destacava-se o piano do lado direito, e um púlpito à esquerda. Na hora marcada, uma mestra de cerimônias tomou a tribuna e anunciou o começo da apresentação daquela noite, tecendo explicações do conteúdo que o público iria ouvir. “Lied” em tradução livre e direta significa canção, música, uma poesia cantada. É uma palavra de origem anglo-saxônica, e possui referências com os bardos da idade média que tinham a função de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em canções recitadas. Através dos séculos “das Lied”, forma comumente grafada da expressão, de uma forte expressão da cultura popular medieval, adentrou aos salões dos palácios europeus entretendo as cortes em refinados saraus. Os compositores contratados pela realeza aprimoraram as canções populares, fazendo “das Lied” chegar aos tempos modernos com ares de erudição. Junto à explanação do repertório do sarau, também foram apresentados os artistas que nos levariam a este passeio cultural. O “Duo Harmony Lied” é formado por dois artistas oriundos de Arapiraca. A pianista Nibbya Karlla, graduada em Letras pela Universidade Federal de Alagoas, com especialização em Língua Inglesa e formação complementar em universidades dos Estados Unidos, e o cantor Marcus Mausan, bacharel em Música também pela Ufal, sendo aluno da professora Ms. Fátima de Brito (especialista em música lírica brasileira). Atuou durante sua vida acadêmica como tenor lírico, participando de diversos eventos, recitais e mostras de canto lírico no Estado de Alagoas. Aventurou-se pelo rock como vocalista da banda The Other Side (heavy metal), de 1996 a 2010, e Valley (hard rock), de 2014 a 2016, exercendo também a função de compositor, guitarrista, tecladista, violonista, violinista, percussionista e orquestrador. Mausan começou sua carreira aos 15 anos montando sua primeira banda de rock, a Savana, que tocava apenas covers de pop rock nacional. E é o próprio Marcus Mausan que nos dá maiores detalhes do espetáculo. “Pieces é o nome da apresentação, com o trabalho baseado no ‘Lied’, esta modalidade de canto erudito oficializada no período romântico – por volta de 1900. Tendo como ícone desse período Franz Schubert (compositor da Ave Maria) ”, explica o cantor, que continua: “O foco não é ópera, por mais que seja canto lírico, mas faremos canções”. Particularmente um aspecto da apresentação chamou-nos a atenção: a não utilização de microfones individuais, nem para a voz, nem para o piano, limitando-se apenas a microfones de captação do som ambiental. Tal ferramenta nos pareceu desnecessária, pois sem os microfones podemos perceber algo que há tempos não ouvíamos, a acústica natural da sala de espetáculos do Teatro Deodoro, ainda respondendo com clareza depois de tantas reformas no velho casarão. No repertório, composições de Jacopo Peri, Andrea Falconieri, Antonio Caldara, Wolfgang Amadeus Mozart, Benjamim Godard, Antônio Vivaldi e Richard Strauss. Também composições nacionais como “Canção do Rio”, de Alberto Nepomuceno, e “Azulão”, de Jayme Ovalle e Manuel Bandeira. A escolha do repertório teve a preocupação que o mesmo fosse alegre, o que fez a apresentação de cerca de 50 minutos tornar-se leve e palatável. Ao final, sucessos consagrados por Edith Piaf (Hynme a l’amour e Non, Je ne Regrette Rien), e um “bis” brindando o público com “Yesterday”, de Paul McCartney. A noite que nos proporcionou o “Duo Harmony Lied” foi das mais agradáveis, apesar das limitações técnicas perfeitamente absorvidas pela dedicação à arte do canto lírico dos artistas envolvidos. Também a Diteal está de parabéns por mais um ano vitorioso do projeto Teatro é o Maior Barato, nos mostrando que toda a forma de expressão artística e cultural é uma benção à divina comédia humana. Muito mais que uma benção, fazer arte é um ato revolucionário de resistência, principalmente nestes tempos em que as manifestações culturais são relegadas ao “corner”, na vã tentativa de emudecê-las, sem se darem conta que ARTE não é coadjuvante, ARTE é estrela principal da companhia! Sem a fomentação das artes e da cultura, seja de maneira oficial ou privada, jamais haverá plateia! Para nos mostrar ao mundo precisamos de conteúdo cultural. Sempre foi assim em todas as partes do planeta. O visitante chega para conhecer as manifestações artísticas e culturais de um povo, portanto, o turismo deve estar atrelado e a reboque da cultura! Nesta ordem, e não ao contrário!

*É arquiteto e urbanista de ofício e compositor e musicista autodidata.

Foto: Agência FRAGMA/Jorge Vieira
 

Foto: Agência FRAGMA/Jorge Vieira
 


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