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Nº 5868
Caderno B

RELATO SOBRE UM HERÓI FRUSTRADO

Estreia: Clint Eastwood volta às telonas dramaticamente forte e contemporâneo; “O Caso Richard Jewell” está em cartaz em Alagoas

Por THALES DE MENEZES/ FOLHAPRESS | Edição do dia 03/01/2020 - Matéria atualizada em 03/01/2020 às 06h00

Foto: Reprodução
 

Foto: Reprodução
 

Desde os anos 1960, o ator Clint Eastwood interpretou heróis. Tipos calados, frios, implacáveis. Para isso, usou bastante seu rosto sem expressões, imutável como se fosse esculpido numa rocha. Nos anos recentes, o diretor Clint Eastwood tem dedicado sua filmografia a redefinir a figura do herói. Apelando muitas vezes para relatos baseados em fatos reais, adotou personagens comuns que as circunstâncias levaram a atos de bravura. “O Caso Richard Jewell”, que Eastwood lança agora, a poucos meses de completar 90 anos, é mais uma etapa dessa estratégia. Desta vez, retomando o episódio de atentado a bomba da Olimpíada de Atlanta, em 1996, que provocou a morte de duas pessoas e deixou outras 111 feridas. O diretor demonstra incrível capacidade de criar um drama emocionante, capaz de prender a atenção de quem assiste mesmo que seu desfecho seja conhecido por todos. Richard Jewell foi um herói. Frustrado na carreira de policial, ele se tornou um voluntário na Olimpíada de Atlanta. Trabalhando como segurança, ele descobriu uma bomba no Centennial Park, que abrigava uma das festas na cidade, acionou os policiais, que evacuaram parcialmente o local antes da explosão, e com isso salvou várias vidas. Richard Jewell foi um herói por quase dois dias. Menos de 48 horas depois do incidente, as investigações do FBI transformaram o jovem americano no principal suspeito de ter colocado a mochila com uma bomba sob um banco numa das áreas de lazer do parque. O filme se concentra nos meses seguintes ao atentado. A pressão da opinião pública para que o caso fosse solucionado levou os agentes do FBI a forjarem provas para incriminar Jewell. Este, um sujeito bonachão que morava com a mãe, meio esquisitão, com admiração quase infantil pelos policiais e agentes de segurança, acaba sendo presa fácil para as armações dos investigadores. Sua vida passa a depender de Watson Bryant, o único advogado que Jewell conhecia, por ter trabalhado anteriormente com ele em um escritório. Uma raposa dos tribunais, Bryant parte para o contra-ataque, tentando neutralizar as armações do governo. Eastwood monta um relato angustiante das agruras sofridas por Jewell, e conta com um elenco excepcional para a dramatização desses fatos. O grande brilho é mesmo com Sam Rockwell, cada vez mais perto de ser o maior ator de sua geração. Ele interpreta o advogado e imprime ao personagem uma mistura de decadência e dignidade. Ele não morre de amores por Jewell, mas aceita o caso em busca de visibilidade numa carreira fracassada. Aos poucos, vai deixando sua indignação com o FBI transformar o episódio numa grande cruzada moral. Há coadjuvantes muito bons, como Jon Hamm, da serie “Mad Men”, no papel do agente federal que usa trapaças cruéis para arrancar uma confissão do segurança. Kathy Bates está ótima como a mãe de Jewell, que primeiro fica extasiada com a nova condição de herói do filho e depois cai num inferno pessoal que os jornalistas tratam de expor diariamente. Mas o filme não seria tão bom sem o ator Paul Walter Hauser, que vem de pequenos papéis em “Eu, Tonya” e no mais recente Spike Lee, “Infiltrado na Klan”. Ele interpreta o gordinho Jewell com uma fragilidade emocional tão infantil que qualquer pessoa que sentar na poltrona do cinema vai se sentir ultrajada com a armação do governo para cima dele. Essa transformação quase instantânea de herói em vilão lembra muito o enredo de “Sully”, filme que Eastwood rodou em 2016, com Tom Hanks interpretando o piloto que consegue pousar um avião no rio Hudson sem causar a morte de nenhum dos 150 passageiros a bordo. Semanas depois de ser tratado como herói nacional, ele se transformou no principal suspeito de ter provocado as condições perigosas do pouso forçado na água. Depois, em “15:17 - Trem para Paris” (2018), o diretor se debruçou sobre o caso verídico de três soldados americanos em viagem de turismo na Europa que, pressionados pelas circunstâncias, agem para evitar um atentado terrorista contra um trem. Mais impressionante do que perceber que Clint Eastwood continua sendo um cineasta veterano capaz de produzir obras de muito fôlego é acompanhar essa nova faceta de sua longa carreira. “O Caso Richard Jewell” não é um filme espetacular, e talvez não entre numa lista de dez melhores trabalhos do diretor. Mas é sólido, dramaticamente forte, envolvente, com personagens que seus atores devem agradecer bastante pela oportunidade de interpretar. Só resta torcer para que a aposentadoria de Eastwood ainda demore bastante a chegar.

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