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Nº 5868
Caderno B

“UM CAMINHO DESGRAÇADAMENTE HORROROSO E DESUMANO”

Ângela Ro Ro diz que grande parte das pessoas é omissa e reflete sobre trajetória musical e Brasil atual

Por THALES DE MENEZES/ FOLHAPRESS | Edição do dia 11/01/2020 - Matéria atualizada em 11/01/2020 às 06h00

Cantora chegou a apanhar da polícia na ditadura e vê atualidade com pessimismo
Cantora chegou a apanhar da polícia na ditadura e vê atualidade com pessimismo - Foto: Alexandre Moreira
 

Ontem, dia 10, Angela Ro Ro fez dois shows no Blue Note, em São Paulo. Apesar do repertório idêntico nas duas apresentações, um show da cantora carioca nunca é igual a outro. Em cada performance, as histórias brotam entre as músicas. Ro Ro é capaz de rir de si mesma e suas recordações fazem a plateia rir mais ainda. “Eu fui uma pessoa tímida até uns 20 e tantos anos. Parece brincadeira, mas não é. Eu praticamente não falava. Depois que eu descobri que todo mundo falava besteira, que não era só eu, aí eu desandei a falar.”, conta ela. O público dela rejuvenesceu. Novas gerações de cantores recorrem ao repertório de seus 12 álbuns para regravar canções de amor derramado, sofrido. O mais recente, “Selvagem” (2017), mostra a artista em plena forma. Ela está acostumada a ter seguidores, desde seu primeiro show, no Teatro Ipanema, em 1979, antes de gravar disco. “Veio mais gente do que imaginava, mais de cento e tantas pessoas do lado de fora. Foi bacana pra caramba. Eu era cult, eu era alternativa. Ainda sou.” A moçada encontra nos shows Ro Ro em busca de músicas apaixonadas e também de suas memórias. “Desde o começo, eram canções românticas, aí contava umas histórias tristes dessas músicas. E a plateia vinha abaixo, eles riam que nem loucos! Eles adoravam a tragédia da minha vida! Meu Deus, eu abro a boca para falar algo triste e as pessoas ficam se esbagaçando de rir? Daí me senti mais à vontade.” As histórias relembram as mulheres que amou e com quem depois brigou, porres, polêmicas, alguns vexames. “Ao longo do tempo descobri que sou uma comediante, faz parte do meu show.” Segundo Ro Ro, tudo sai na hora, sem planejar nada. “A própria plateia vai puxando as histórias, e aí não fico com frescura.” Os shows paulistanos fazem parte da turnê 40 Anos de Amor à Música, em que ela divide o palco com o pianista e produtor Ricardo Mac Cord, parceiro há três décadas. “Esse show é um pouquinho de cada fase, dá uma geral desde o início até o ‘Selvagem’. Tem coisas que você sabe que vão querer. ‘Amor, Meu Grande Amor’, ‘Só Nos Resta Viver’, ‘Simples Carinho’, essas daí.” Apesar de elogiado, “Selvagem” não fez tanto alarde. Ro Ro admite que os álbuns não “acontecem” mais. “Tem Spotify, tem isso e aquilo, tem música de graça pra todo mundo. Eu acho que é a atualidade, né? Não reclamo, tive sucesso desde o começo, não comparando com uma coisa mega. Não estou querendo falar mal de ninguém porque eu nem sei os nomes das pessoas que têm muita visualização, clicagem, acessos. Não sei quem é que está na moda, aqueles que entram nessa de milhões de pessoas curtirem e idolatrarem. Nunca foi a minha praia, entende? Eu nunca gostei do que todo mundo gosta.” Ela admite não se entusiasmar com novos nomes. “Ter paciência para ir a um show de alguém que eu não conheço? Aí não, é ruim. Eu não arrisco, não vou a lugar nenhum sem saber do que se trata. Ainda mais em festivais, lugares de multidão. Eu amo multidão, mas só de um jeito: eu no palco e a multidão me vendo.”

Ro Ro consome música digital. “Adoro colocar disco. Posso até botar um CD, mas graças à internet eu sambo aqui na minha salinha.” Então ela começa a cantar entusiasmada ‘Partido Alto”, de Chico Buarque. “Ontem mesmo, cheguei de viagem, cansada, e ainda assim botei ‘Partido Alto’ no celular e dancei pra caramba.” Sobre o cenário político e social, a cantora, que chegou a ser surrada algumas vezes na rua pela polícia na época da ditadura, traz uma opinião pessimista. “Pra ser sincera, acabei de fazer 70 anos. Depois de engolir chumbo grosso, estou aqui, ‘inteiraça’. Estamos seguindo um caminho, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, desgraçadamente horroroso e desumano. Nós pertencemos a essa raça desumana. Tem muita gente ruim. A grande parte das pessoas é omissa, e a omissão é o pior dos crimes, porque você fica ao lado do mal. Quem cala consente. Mesmo.”

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