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Nº 5868
Caderno B

Confira a programação do cinema (15/01/2020)

SYNONYMES’ RETRATA CRISE MIGRATÓRIA COM TINTAS DO ABSURDO

Por CLARA BALBI/ FOLHAPRESS | Edição do dia 15/01/2020 - Matéria atualizada em 15/01/2020 às 06h00

Filme integra Mostra Fôlego do Arte Pajuçara e tem ingressos com preço promocional
Filme integra Mostra Fôlego do Arte Pajuçara e tem ingressos com preço promocional - Foto: Reprodução
 

Mau, obsceno, ignorante, idiota, fétido, grosseiro, abominável, odioso. As palavras jorram, raivosas, da boca de Yoav quando ele descreve seu país natal, Israel, em “Synonymes”, vencedor do Urso de Ouro no último Festival de Berlim, que volta à tela do Arte Pajuçara nesta quarta-feira, com ingressos a R$ 5. Os vocábulos foram descobertos com a ajuda de um dicionário que o personagem, um ex-soldado israelense crítico da política militarista do país, carrega de um lado para o outro na capital francesa. “Não olhe para cima”, murmura enquanto caminha, lutando contra a tentação de contemplar o rio Sena, a Notre Dame. Sua imersão na França é, sobretudo, linguística. Ele se recusa a falar hebraico. A experiência pode parecer absurda -como o restante do filme, aliás, que logo frustra qualquer expectativa de linearidade-, mas espelha aquela que o diretor, o israelense Nadav Lapid, teve aos 20 e poucos anos. Convencido de que tinha nascido no continente errado, ele conta que se mudou para Paris determinado a ser “mais francês do que os franceses”. “Queria viver e morrer lá, ser enterrado no [cemitério do] Père-Lachaise”, diz o diretor, por telefone, de Israel, onde começa a filmar o próximo longa em alguns dias. “Mas minha crise de identidade nunca esteve tão viva.” Para lidar com essa mesma crise, Yoav tenta expurgar a nacionalidade do próprio corpo. Limita as refeições a um jantar de menos de dois euros apesar da fome, dança ensandecido na quitinete em que mora, aluga a si mesmo -como modelo ou “etc”. É assim que se aproxima, cena a cena, de uma violência não muito diferente daquela dos conterrâneos patriotas e machistas que encontra pelo caminho, gente que o avisa para tomar cuidado com o chiado dos sotaques árabes e organiza ataques rotineiros a neonazistas.

Enquanto isso, o personagem se envolve num triângulo amoroso com um casal francês que parece saído de um filme de Truffaut, um escritor frustrado e uma instrumentista. Segundo Lapid, um retrato que “ataca frontalmente o imaginário parisiense”. Não é a única provocação que “Synonymes” faz à identidade francesa. Assim como o diretor desfila estereótipos do seu país natal -o que já havia feito em seu primeiro longa, sobre policiais israelenses-, a obsessão pelo Estado laico da nação que Yoav adota rende uma das cenas mais surreais do longa, numa aula para imigrantes. “Acho que o filme questiona até que ponto um país está disposto a integrar estrangeiros se não os aceita como são”, diz Lapid. Ao mesmo tempo, o cineasta discorda que a política seja um dos temas centrais de “Synonymes”. “Ele fala sobre a capacidade de se libertar da própria identidade, de renascer.”.

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