JUDY GARLAND DE VOLTA ÀS TELONAS
RENÉE ZELLWEGER CANTA, EMAGRECE E SE ENCHE DE RUGAS PARA ESTRELAR ‘JUDY’
Por FRANCESCA ANGIOLILLO/ FOLHAPRESS | Edição do dia 30/01/2020 - Matéria atualizada em 30/01/2020 às 06h00
Em francês, Renée significa “renascida”. É quase um toque de marketing involuntário que a atriz protagonista de “Judy - Muito Além do Arco-Íris” se chame assim. Ou, para os fãs de Renée Zellweger, uma feliz coincidência. No papel de uma combalida Judy Garland que tenta se reerguer com uma série de shows em Londres, Zellweger experimenta um renascimento. Depois de uma pausa de seis anos, por depressão e estafa, escolheu para a volta um papel do tipo que agrada quase infalivelmente o mundo do cinema comercial. Não deixou de aludir ao fato ao agradecer o Globo de Ouro de melhor atriz dramática pelo filme “Judy”. “Vocês estão todos bem depois de 17 anos”, disse à plateia. Na verdade, fazia 16 anos que ela não subia àquele palco, desde que foi reconhecida como melhor atriz coadjuvante em “Cold Mountain”, papel que também lhe daria o Oscar na mesma categoria, entre outros prêmios. A maior parte da fama de Zellweger decorre do fato de ter domado seu sotaque texano e dado carne (em abundância) à atrapalhada e britânica Bridget Jones. A personagem foi tão marcante que, depois do discurso do Globo de Ouro, muitos indagavam nas redes sociais se ela sempre tivera aquele sotaque sulista -ou se estava bêbada. Os esforços para ser Bridget lhe renderam duas indicações ao Globo de Ouro pelos dois primeiros longas da franquia e, no terceiro, uma menção no chamado Hall of Shame, ou hall da vergonha. A crítica a amou muitas vezes, porém -segundo o site IMDB, ela acumula 46 prêmios e 106 indicações desde 1996. Dessa lista, 14 prêmios, além do Globo, foram por “Judy”, que ganha o circuito brasileiro nesta semana.
Para viver Judy Garland, Zellweger se dedicou ao tipo de transformação quase mediúnica que Hollywood celebra. Com isso, ela já estende a mão para pegar o Oscar de melhor atriz. É conhecido, e não é de hoje, o fascínio do cinema comercial pelas histórias reais. Ao menos desde 2010 sempre houve no Oscar uma ou mais tramas “baseadas em fatos reais”. Dentro desse filão, é no gênero biográfico que a arte mais se curva ao real; o cotejo inevitável entre retrato e retratado se impõe sobre quase qualquer outro juízo que se possa fazer das qualidades do filme em questão.
É, portanto, esse o horizonte que se coloca ao assistirmos a “Judy”. A apreciação se vê engolfada pela avaliação da performance da atriz -será a Judy Garland de Rennée Zellweger realista o bastante para que se goste do filme, independentemente de outras qualidades? Na história, vemos a atriz e cantora no fim de sua breve vida. Três décadas depois de “O Mágico de Oz”, filme que a catapultou para a fama ainda adolescente, Judy Garland está quebrada.
Não tem trabalho nem casa onde viver com suas duas crianças, Lorna e Joey, filhos de seu quarto marido, o produtor Sidney Luft. Sem conseguir trabalho digno nos Estados Unidos, frágil, dependente de remédios e de álcool, Judy aceita um contrato para uma temporada de shows numa casa noturna em Londres. É esse período de poucos meses o cerne do filme e é nele que Zellweger tem a chance de mostrar plenamente seus dotes cênicos, já com um quarto do longa transcorrido. Aqui entra em cena a lista de curiosidades intrínseca ao gênero. Zellweger emagreceu! Isso permite não só que emule a figura debilitada de Garland mas também que pareça menor -a retratada media 1,51 metro, sua intérprete, 1,63.
Renée Zellweger canta mesmo! Ela já o mostrara em “Chicago”, de 2002. Mas Judy Garland tinha um vozeirão, Zellweger não. Além de ter estudado por um ano, a atriz teve uma ajuda da realidade, pois, naquele inverno de 1968, a estrela estava longe do ápice. Zellweger, 50, precisou de rugas falsas para viver Judy, 46! E de olheiras, sobrancelhas redefinidas, perucas e próteses. Detalhes que cabem aos responsáveis pela outra indicação do filme ao Oscar -cabelo e maquiagem.
A atriz reproduz em minúcia os trejeitos de Garland, seus ombros curvados, a dança com o fio do microfone. Mas, aqui e ali, deixa entrever um franzir de olhos e um biquinho que são seus -um alívio lembrar que há uma artista atrás da máscara. Dota o papel de emoção e verve; faz rir várias vezes. Para o jornal britânico The Guardian, o filme edulcora a tristeza de Garland, talvez por esses momentos. Carrega em sua atuação uma boa dose não de realismo, mas daquela empatia que nos faz acreditar estar diante da pessoa retratada sabendo que não estamos. Se o filme é quase a atuação, não deixemos de destinar uns parágrafos a outros aspectos. “Judy” é convencional. Flashbacks resumem a difícil vida de Garland. O espectador se comove até o “gran finale”, depois do qual não falta o letreiro explicativo. O fato de ser baseado numa peça -”The End of the Rainbow”, de Peter Quilter- permite ao roteiro voos ficcionais, como o doce casal de fãs gays. Outros dados poderiam não ser, mas são reais. Não faz diferença quais; o drama é verossímil no que tem de vivido e inventado. É, em suma, entretenimento muito eficiente no gênero.
Cabe fechar dizendo que Zellweger merece o Oscar não por ter criado uma Judy Garland parecida à real, mas porque criou uma Judy Garland sua. Ninguém a acusará de levar para casa a estatueta por obra de um nariz prostético.