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Nº 5897
Caderno B

ARTISTAS ALAGOANOS REAGEM A REGINA DUARTE NA CULTURA

Trabalhadores do setor criativo e intelectuais falam em alívio, ceticismo e medo

Por LUAN OLIVEIRA*/ ESTAGIÁRIO | Edição do dia 14/03/2020 - Matéria atualizada em 14/03/2020 às 06h00

Regina Duarte fala em pacificação, mas diz que não haverá apoio para minorias sociais
Regina Duarte fala em pacificação, mas diz que não haverá apoio para minorias sociais - Foto: Divulgação
 

A posse de Regina Duarte na Secretaria Especial de Cultura, no dia 4 de março, foi um momento que passeou entre um alívio e um refluxo na classe artística nacional. Seu antecessor na pasta, Roberto Alvim, foi exonerado após a publicação de um vídeo institucional com referência ao fascismo/nazismo. Em Alagoas, a primeira impressão da classe artística ao nome da secretaria foi de esperança renovada. “A indicação de uma artista, independente de direita ou esquerda, é bem-vinda”, disse Waneska Pimentel, produtora cultural. Para ela, um artista conhece as angústias e os anseios da categoria, que são universais, independente de posicionamentos políticos.

A mesma esperança foi compartilhada pelo ator Paulo Pedrosa, que no momento da indicação da ministra para a pasta, comemorou. “Desde que eu era pequeno via Regina Duarte nas novelas, ela é uma grande atriz, conquistou o coração dos brasileiros”, conta. Confrontada com a realidade nos poucos dias que a atriz exerceu o comando na pasta, a esperança dos artistas leva alguns arranhões, alguns mais fundos do que outros. Waneska tem críticas ao discurso da atriz, que considera infeliz. “Mostrar a arte como uma palhaçada, talvez ela tenha tido uma boa intenção com isso, mas a construção foi falha”, expõe. Em seu discurso de posse, a atriz disse que a cultura era como um “pum de palhaço”, que faz a “risada da criançada”. “A Secretaria [Especial de Cultura] é uma piada”, disparou Pedrosa, em referência ao que considera uma falta de autoridade da secretaria nos assuntos internos da pasta. “A primeira nomeação que ela fez foi barrada pelo presidente”, relembrou, em relação à nomeação da reverenda Jane Silva, anulada pela Casa Civil. Em seu discurso de posse no dia 04, Regina Duarte afirmou que em seu convite teve uma promessa de “porteira fechada” e carta branca para indicar quem quisesse. O presidente Jair Bolsonaro, logo em seguida, a corrigiu. Relembrou que tinha poder de veto e que tinha exercido essa autoridade em todas as pastas de seu governo. O presidente da Academia Alagoana de Letras (AAL), Rostand Lanverly, não teve a mesma expectativa que os demais com o desempenho da atriz. “Ser um bom artista não significa que fará um bom trabalho exercendo um cargo de mando”, opinou. “A classe artística tem um grande respeito à Regina, e isso tem peso, mas não é tudo”. Ele acredita que o governo muitas vezes nomeia pessoas por o que chamou de “quem indica”, por ter ligação com algum grupo político, ou para populismo, indicando alguém que seja celebrado por um setor da sociedade. Para ele, Regina é o último.


BUSCA POR NORMALIZAÇÃO

Se espera muito de Regina Duarte uma normalização do meio artístico no país. Com um discurso floreado pelas palavras “pacificação” e de ataque à uma polarização, a atriz tentou aproximar a classe artística do governo e vice e versa. A administração dos R$ 2,25 bilhões que compõem a secretaria especial é uma preocupação constante de uma categoria que ainda depende muito de aportes do Estado para exercer suas atividades. Durante a gestão de Alvim, editais foram cancelados e peças foram censuradas por conteúdos considerados subversivos pelo secretário e pela ala dita “ideológica” do governo federal, ambos financiadas pelo guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Regina começou sua gestão, inclusive, dando um recado aos olavistas: uma lista de exoneração expurgou todos os seguidores do escritor da pasta de cultura do governo. Houve reação nas redes, mas a classe artística viu como um aceno à esperada pacificação. “Esperamos esse retorno. Mais que um retorno: um retorno de forma coerente”, disse Waneska. A normalização do financiamento cultural também é uma expectativa que a produtora tem. “Queremos uma política de estado para cultura, e não uma política de governo”. “Existe um fomento ao rural por parte do governo federal. Ninguém questiona isso, mas sempre há questionamentos quando o assunto é o fomento à cultura”, concluiu a produtora.


TEORIA X PRÁTICA

Pedrosa, desiludido com o andar inicial da pasta, se mostrou entristecido. “É triste de ver uma grande atriz jogar fora a sua história dessa maneira”, disse. Grande exemplo, apontou, é a situação do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que excluiu diversos órgãos colegiados ligados à fundação e passou a concentrar a tomada de decisões em seu gabinete. A Fundação Palmares é ligada à secretaria de Regina Duarte. Em entrevista ao Fantástico, a atriz descartou exonerar Camargo, ao menos no momento, por motivos políticos. Quarta ocupante da pasta desde o início do governo Bolsonaro, a estadia de Regina é lida como essencial para a estabilização da política cultural no país. “Não se firma uma política cultural assim, mudança contínua nunca é salutar”, colocou Waneska. Rostand Lanverly defende a decisão da atriz de exonerar os seguidores do Olavo. Mais que um aceno, ele diz, a medida também é essencial para o mandato da atriz. “Todo dirigente tem que ter sua equipe, e ela montará a dela”. Mesmo com sua própria equipe, o presidente da AAL questiona a capacidade da atriz. “Não sei até que ponto ela é preparada”, diz, acrescentando que não acredita que o mandato vai acabar com a rotatividade da pasta, que já fez rolar três cabeças em Brasília. “Não acho que ela vá ser a definitiva”.

* Sob supervisão da editoria de Cultura.

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