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Nº 5897
Caderno B

Ilustrador alagoano relembra repercussão sobre cartaz da banda Dead Kennedys

Cristiano Suarez concedeu entrevista ao Caderno B e diz que faria a mesma coisa hoje em dia

Por Maylson Honorato | Edição do dia 18/04/2020 - Matéria atualizada em 18/04/2020 às 06h00

Arte do cartaz viu artigo para colecionadores e ganhou diversas releituras
Arte do cartaz viu artigo para colecionadores e ganhou diversas releituras - Foto: Reprodução/Instagram
 


Em 22 de abril de 2019, quando era lembrado o descobrimento do Brasil, o mundo redescobriu o ilustrador alagoano Cristiano Suarez, que se viu envolvido em uma das mais interessantes polêmicas decorrentes da polarização política no país. O ilustrador executou um trabalho para a banda americana Dead Kennedys e estampou uma família de palhaços armados e sangue escorrendo de uma comunidade periférica para divulgar a turnê brasileira do grupo punk californiano.


Para os mais atentos, os ‘bozos’ no pôster são referências à música Rambozo The Clown, sucesso da banda americana. E os dizeres “Eu adoro o cheiro de pobre morto pela manhã” podem ser compreendidos com uma referência ao filme Apocalypse Now, ou melhor, à música Kill The Poor, obra-prima da banda para a qual Cristiano executou o serviço. Segundo o autor, o cartaz faz uma crítica explícita à classe média armamentista. Mas -não deu outra- a obra foi interpretada pelo grande público como uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).


O que se viu após a divulgação do cartaz, divulgado oficialmente pela produtora da banda americana, foi uma enxurrada de tuítes e uma invasão do público às redes sociais de Cristiano Suarez, que passou de 6 mil para 40 mil seguidores em poucas horas. A banda removeu o cartaz e a repercussão só aumentou, os fãs questionavam o ‘espírito roqueiro da banda’, que já é posto em dúvida desde o final dos anos 1980, quando o vocalista e principal compositor Jello Biafra se retirou do grupo. A repercussão foi tão grande que, entre críticos e entusiastas, a banda americana preferiu cancelar a turnê brasileira, alegando preocupação com a segurança dos fãs.


SUAREZ

Aos 33 anos e natural de Palmeira dos Índios, Cristiano Suarez é um dos mais importantes ilustradores brasileiros. Formado em publicidade, ele viu a carreira começar a decolar em 2012, quando seu trabalho começou a chamar a atenção de grandes empresas. Em 2018, o artista alagoano apareceu na lista dos 200 melhores ilustradores do mundo, elaborada pela revista Lürzer's Archive, a principal do universo publicitário. A página dupla na importante revista exibia a campanha desenvolvida para o público do Oriente Médio da Absolut Vodka. Suarez já trabalhou para empresas em mais de 30 países, em diversos setores. O trabalho e as novidades do artista podem ser conferidos no Instagram (@cristianossuarez).

Reservado e um tanto tímido, Cristiano Suarez conversou com o Caderno B sobre o ano agitado que passou e a repercussão do trabalho para a Dead Kennedys. Ele também fez considerações sobre o cenário político atual e o papel dos artistas e do rock, além de comentar sobre o que realmente quis expressar com o provocativo poster com palhaços armados e referências ao nazismo. Confira a conversa.



Gazeta de Alagoas - Um ano se passou desde aquele poster polêmico para a Dead Kennedys. O que mudou desde aquele momento, qual o saldo?

Cristiano Suarez - O que mais mudou o foi a minha visibilidade. Eu já tinha visibilidade em redes sociais, para trabalhos, oportunidades, mas naquele dia, foi dia 22 de abril do ano passado, no Instagram eu tinha 6 mil seguidores. No Facebook, 5 mil. No outro dia eu tinha 40 mil no instagram e 20 mil no Facebook. Eu não tinha Twitter, e mesmo assim meu nome ficou em primeiro lugar nos trend topics. Tive contato com pessoas e artistas que eu admirava, mas que eu não conhecia. Inclusive, tive contato com artistas famosos, da Globo, grandes bandas como Titãs, Capital Inicial, então o saldo positivo foi a visibilidade. Uma parcela mínima foi de pessoas que acabaram vestindo a carapuça.


Se arrepende de algo, tem alguma mágoa da banda, por ela ter negado que aprovou o cartaz ou algo assim?

Na primeira semana eu me arrependi muito. Mas eu não sabia do que me arrepender, porque se eu tivesse sido contratado novamente eu teria feito a mesma coisa. Meu arrependimento era mais pelo susto da visibilidade, fiquei ansioso, foi estranho. Eu não gostava muito daquele acesso à minha vida pessoal. Eu sempre deixei explícito meu trabalho, não a minha vida. E foi assustador ver meu nome nos trends, nas redes sociais, era um arrependimento que eu não sabia de quê.


Algum ressentimento relacionado à postura da banda?

Sobre a Dead Kennedys, é uma banda que eu gosto desde que eu tinha 14 anos e morava em Palmeira dos Índios. Só em fazer o cartaz para eles, para mim, foi um grande prazer. É uma banda que eu era fã. Na verdade, eu ainda sou fã. Tudo isso faz parte do show business. Eu não guardo mágoa da banda. Eu entendo que existem muitas questões burocráticas relacionadas aos empresários e tudo mais. Mas, acho que foi uma atitude covarde. Eles tentaram se retratar, fizeram alguns posts dizendo que apoiavam a ideia da arte e tudo, mas, entendo que tem essa questão de show business. Como artista, eu levei muito em consideração o conceito da arte. Na questão ideológica da banda, a banda não é mais a mesma. Na questão ideológica, a banda acabou em 1987, quando o mentor da banda, o Jello Biafra, saiu. E essa questão ideológica, artística, do feeling mesmo acabou em 1987. E isso só me fez ter certeza que a banda não é mais Dead Kennedys. Do que adianta cantar o que eles cantam se eles não têm atitude? Como eu disse, não tenho mágoa, o fato só me fez ter mais admiração pelo Jello Biafra, que é o vocalista original e compositor das letras. Inclusive, ele fez elogios depois de tudo isso, postou uma matéria endossando a arte e disse que a arte tem tudo a ver com as coisas que ele escrevia.


Vamos imaginar que nada daquilo aconteceu e você recebeu a solicitação para o cartaz da DK hoje. Faria o mesmo cartaz?

Se hoje a Dead Kennedys me procurasse para fazer o cartaz eu faria a mesma coisa e talvez mais ácido ainda. Até porque a acidez do meu trabalho foi apurada nesse último ano. Mas faria sim, faria a mesma coisa.


Como você lidou com a repercussão? Houve um ensaio de achincalhamento, certo?

Recebi muito apoio, apoio de pessoas e bandas que eu admirava quando era adolescente. Bandas punk mesmo, conhecidas no underground e que me apoiaram, tipo Ratos de Porão, Garotos Podres… São bandas punks que eu escutava quando era adolescente e que são bandas com influência em Dead Kennedys. E essas bandas ficaram do meu lado, digamos assim, porque entenderam a sacada da minha ideia. Essa repercussão me assustou, mas 98% eu diria que foi uma visibilidade positiva. Somente os outros 2% foi de pessoas que vestiram a carapuça da arte. Por eu ser uma pessoa que tem ansiedade, que faço terapia e tudo mais, o ansioso acaba  absorvendo mais a negatividade. Os 2% eu acabei absorvendo. O que mais recebi foi ataque xenófobo por ser nordestino. Hoje, por estar com a cabeça no lugar, por ter feito outras críticas, entendo que eu não deveria ter absorvido esses 2% de negatividade.



Você acredita que as reações indicam que você acertou na provocação?

Com certeza eu acertei nas provocações. Mas eu quero deixar bem claro que as provocações que eu fiz no cartaz, eu fiz moldada num público-alvo, era uma criação publicitária. Eu fiz isso, não visando atingir todas as pessoas, fiz a arte visando atingir os fãs da banda. No desenho tem muitas referências que a maioria das pessoas não entenderam. Tem referências às músicas da banda, como Kill The Poor [matar os pobres em tradução livre] ou Religious Vomit, em que eles criticam os radicais religiosos. Veja, não era uma crítica ao cristianismo de maneira geral. Até porque eu tenho uma família inteira cristã e que não me enche o saco, apesar de eu não ser. Eu estava visando o público-alvo, os fãs da banda e acabou que saiu dessa bolha dos fãs e foi parar no povão.


Mas a crítica existia na arte...

Sim. De toda forma, a crítica que eu desenhei foi sim visando essa galera que vestiu a carapuça, porque a crítica ali é à classe média armamentista, que se acha milionária, mas que não é milionária. Foi aos devotos do estilo de vida americano, relacionado a armas - por sinal muito brega, muito cafona esse estilo de vida. Eles juntam dinheiro o ano inteiro para ir para Miami, para comprar umas camisas da Hollister, e se acham ricas, acham que tem o direito de ter uma arma porque se acham superiores aos pobres. Eles não dão nem ‘bom dia’ ao porteiro. É uma crítica a isso, que é tudo muito clichê, muito comum no Brasil. Tem uma alfinetada no presidente, mas não é diretamente ao presidente. A crítica foi principalmente a esse estereótipo aí, que, inclusive, também apoiou outros presidentes no passado.


Quais são as suas referências?

Eu divido minhas referências em dois campos. No campo estético, que é o estilo, e no campo ideológico, apesar de não gostar muito dessa palavra. No campo estético, eu carrego muitas referências, vou citar três. O Jack Kirby, que é um americano que trabalhou muitos anos na Marvel Comics. Tenho muita influência do traço dele. Outro que eu tenho muita influência estética é o Philippe Druillet, a referência dele é muito da ficção científica, tenho muita influência nos desenhos simétricos, no excesso de elementos. E o terceiro é o Robert Williams, que é outro artista americano que também usa muitos elementos, elementos de tamanhos diferentes.


E no campo ideológico?

Aí tenho uma influência dupla no Robert Williams, que também é muito sarcástico na forma de trabalhar. Eu adoro inserir sarcasmo e ironia nos meus trabalhos autorais. Mas, grande parte desse meu sarcasmo e ironia vêm de outras artes, do cinema, da música, inclusive da Dead Kennedys. Inclusive, apesar de todo esse problema que aconteceu, a Dead Kennedys é minha principal influência nesse campo ideológico. Eles têm letras super irônicas, que dizem, por exemplo, ‘um belo dia os pobres foram eliminados da terra porque nós usamos uma bomba de nêutrons’. Esse sarcasmo fez pessoas escutarem a música achando que era mesmo para matar os pobres, escutavam por conta disso, depois que se tocaram que a banda era uma banda anarquista surgiu toda a revolta. O próprio Jello Biafra chegou a se candidatar a prefeito de São Francisco e fazia propostas como “todos os políticos devem usar roupa de palhaço”, então, meu sarcasmo vem muito dessas duas referências, basicamente.


Pessoalmente, posso dizer que sua arte é provocativa, crítica, além de muito divertida, chocante e irônica. São muitos adjetivos. Estão todos bem colocados? Sua arte quer ser isso mesmo?

Esse tipo de arte irônica, que vem da música, do cinema, de usar o excesso de ironia para tratar das coisas, eu acho muito legal, até mesmo na literatura. Então, tudo isso vem muito do que eu consumo, essa maneira rebelde, do punk, do rock. O rock sempre foi contra-cultura, contra conservador. Os adjetivos são apropriados. Só a questão do “divertida” é que é complicada, porque nem sempre é divertida. Pode ser bem humorada, mas é mais irônica. 


Nesse contexto todo, qual seria o papel do artista contemporâneo, das bandas de rock aos ilustradores?

Eu sou muito defensor da liberdade. Se o artista não quiser se envolver em política, ele tem todo o direito de não se envolver. Porém, eu acho que alguns artistas que ganharam notoriedade expondo posições políticas não podem se esconder neste momento emq ue vivemos. Eu vejo artistas que ganharam notoriedade com discursos e que hoje, no momento delicado da nossa democracia, simplesmente se isentam de dar opiniões. Se o artista nunca quis entrar nesse campo, ele tem todo o direito de continuar não entrando. Apesar de que, quando a gente vê governos se estabelecendo, ligados ao conservadorismo de costumes, digo isso não só no Brasil, mas no mundo, ele [o artista] tem sim que se posicionar contra. A arte sempre foi, ou melhor, o rock sempre foi rebelde. A epigênese do rock é a rebeldia. Não tem como você estar no rock e dizer que é conservador, isso é hipocrisia. Isso serve para a arte visual, para os que trabalham nesse meio, que trabalha no rock, no punk, esses precisam se posicionar.



Em que você tem trabalhado atualmente e o que podemos esperar de você?

Meu trabalho é mais no campo publicitário mesmo. Cervejarias, eventos, capas de disco, normalmente não tem conteúdo político no meio, é dentro da ideia dos artistas. Por fora, entre um trabalho e outro, eu tenho meu trabalho autoral. No meu trabalho autoral sempre haverá a minha estética e o meu estilo, o lado irônico, sempre haverá. Mas o dia a dia mesmo é com agências de publicidade, rótulos, estampas, etc.

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