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Nº 5798
Caderno B

PARA ALÉM DOS MITOS

Pesquisadores relembram Théo Brandão e discutem, a partir das manifestações culturais, aspectos da identidade alagoana

Por DIMITRIA PIMENTEL*/ ESTAGIÁRIA | Edição do dia 22/08/2020 - Matéria atualizada em 22/08/2020 às 05h00

Giro de Folguedos - Praia de Ponta Verde
Foto: Pei Fon Secom/Maceió
Giro de Folguedos - Praia de Ponta Verde Foto: Pei Fon Secom/Maceió - Foto: Pei Fang Fon
 

Alagoas comemora o Dia do Folclore, dois dias depois de o Museu Théo Brandão, que homenageia o maior folclorista do estado, completar 45 anos de existência. Ambas são datas importantes para um povo que tem suas raízes fundamentadas na cultura popular, que cresceram ouvindo histórias sobre os Guerreiros e Reisados, e os tantos outros folguedos e manifestações culturais celebradas na data e que estão na memória de Alagoas. Neste dia, pesquisadores da cultura comentam sobre a construção da identidade alagoana. É fato que, a partir de diversos processos, a identidade de um povo vai se moldando de acordo com as influências dos meios em que estão inseridos. Com Alagoas não poderia ser diferente. A cidade de Maceió, por exemplo, tem o chapéu do Guerreiro em uma praça principal, uma Sereia de quase 4 metros em uma das praias mais visitadas do litoral e a escultura metálica da pastora Diana na Ladeira Geraldo Melo (antiga Ladeira da Rodoviária). São apenas alguns dos registros visuais que representam a importância das manifestações populares na vida dos alagoanos. Esses elementos, presentes no cotidiano, ajudam a manter viva a memória da história do estado, como afirma a museóloga Carmen Lúcia Dantas. “Alagoas tem na Cultura Popular a raiz de sua formação social escultural. Valorizá-la é um dever de Estado.”. O estudo do Folclore Alagoano é uma forma de resistência. Desde Théo Brandão, os folcloristas do estado estão praticamente em extinção. Mas há quem lute para manter essa chama acesa, como a professora Josefina Novaes, que pesquisa sobre folclore desde que recebeu um convite para integrar a Associação dos Folguedos Populares, em 1986. Sua iniciação foi um pouco tímida, apenas realizando os projetos da Associação no começo, mas depois passou a conviver com mestres dos folguedos, quando começou a desenvolver pesquisas na área. “O Folclore é fundamental na construção da identidade de um povo. Temos um povo criativo e o maior número de Folguedos e danças do Brasil. É o estado com maior diversidade cultural e temos o dever de cultivar, difundir e principalmente preservar”, afirmou a pesquisadora. Em contraponto, o sociólogo, artista e professor Edson Bezerra fala que o folclore é sim uma base da identidade do estado por ser parte da cultura popular, como em qualquer outro lugar também deve ser. No entanto, essa visão traz consigo uma forma de congelar toda a luta de resistência vivida pelos nossos ancestrais. “O folclore congela nossa cultura popular. A ideia de folclore reflete uma pureza, porque retrata de maneira mistificada os signos da negritude. Retiram a sexualidade, a violência e a espontaneidade do processo para torná-lo elitista e comercial”, rebateu. Ainda segundo Bezerra, os movimentos culturais são de certa forma apropriados para que a cultura folclórica seja agradável aos olhos de quem vê, mesmo que isso signifique silenciar o histórico de gerações inteiras.

“Essas expressões culturais surgiram da opressão, foram criados para fugir de uma repressão. Temos como exemplo a Negra da Costa, em Santana do Ipanema, que nasceu da cultura do estupro. As mulheres negras trazidas para serem escravizadas sofriam constantes abusos, e os homens cansados de verem tal cena decidiram se vestir de mulher para combater os violentadores”, explicou. Para o sociólogo, o folclore como conhecemos é a apenas uma modificação harmônica dos fatos que pouco contribui com a memória do povo que fundou o estado de Alagoas. “Nosso estado é muito atrasado nessa questão, faltam estátuas, monumentos e homenagens aos verdadeiros escritores da história alagoana. Outros estados, como o da Bahia, representam o nosso Zumbi enquanto Maceió fica devendo nesta questão.”


THÉO BRANDÃO E O FOLCLORE DE ALAGOAS

No dia 29 de setembro, a morte do maior folclorista que o estado já teve, Theotônio Vilela Brandão, completa 39 anos. Ele decidiu deixar a carreira na medicina em segundo plano, para se dedicar inteiramente à pesquisa folclórica. Seu legado foi tão vasto que em 1975, quando decidiu doar todo seu acervo de arte popular para a Universidade Federal de Alagoas, foi preciso construir um novo prédio para abrigar o material. Esse foi o primeiro Museu Théo Brandão (MTB), que ficava localizado no Pontal da Barra. Segundo Carmen Lúcia Dantas, o alagoano é hoje a maior referência acadêmica no estudo do tema, em tudo que diz respeito a tradição e cultura popular. Sua linha de pesquisa entrelaça áreas da etnologia, do estudo do comportamento de um determinado povo. “Théo Brandão debruçou-se sobre nossas manifestações folclóricas, deixando um importante legado tanto em acervo material, hoje no Museu que leva seu nome, como na formação de seus alunos voltados para a Sociologia e a Antropologia em nossa UFAL”, afirma Dantas. Para a data de comemoração dos 45 anos do MTB, a UFAL, órgão responsável pela administração do museu, preparou um evento adaptado aos tempos de pandemia em que vivemos. Aproveitando também o gancho do Dia do Folclore, a Universidade apresentou uma live sobre cultura popular, mediada pela museóloga Hildênia Oliveira. O museu, durante o período de isolamento, ganhou ainda uma tour virtual em 360º, que pode ser acessada através do site da instituição: http://mtb.ufal.br.

*Sob supervisão da editoria de Cultura

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