app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 5868
Caderno B

PARA PENSAR ALAGOAS

Em ano de desafios, personalidades discutem como Alagoas chega aos 203 anos

Por DA EDITORIA DE CULTURA | Edição do dia 16/09/2020 - Matéria atualizada em 16/09/2020 às 05h00

Foto: Pixabay
 

Em um ano desafiador e de tantas descobertas e redescobertas, Alagoas chega aos 203 anos com suas muitas contradições, desigualdades e paixões expostas. É nisso que acreditam personalidades alagoanas ouvidas pelo Caderno B e que discutem diferentes aspectos que fazem de Alagoas o que é. Mesmo ultrapassando os dois séculos de um tipo de liberdade, para o antropólogo, artista e articulador cultural Edson Bezerra, Alagoas ainda vive o desafio de descobrir o próprio nome. O professor, que é autor do contundente Manifesto Sururu (2004), segue provocando em suas produções, artísticas e acadêmicas, sobre a necessidade de Alagoas se redescobrir a partir de outra coisa, que não da pecha de “terra dos marechais”. “Dirceu Lindoso diz que Alagoas é aquilo se ama e dói. E Alagoas continua sendo esse amor e essa dor. É uma terra que continua precisando ser descoberta, ela precisa ser reinventada a partir das suas belezas, a partir não apenas de suas praias, mas de suas lagoas e seus interiores.”, diz o pensador. “Veja essa cultura popular belíssima, que nos pertence, esse artesanato, essa cultura popular que é a mais bela e mais forte do Brasil. Alagoas precisa ser redescoberta a partir de suas entranhas, dos seus homens e mulheres humildes”, completa Edson Bezerra. Para ele, é comum confundirem Alagoas, compará-la a outras unidades federativas e, ainda, criarem narrativas históricas e identitárias que não dialogam com o que Alagoas realmente é: uma terra baseada em lagoas e sururus. “Diante de tanta grandeza que Alagoas tem, Alagoas continua pequena. Ela precisa se agigantar, ser amada, ser cultivada como uma terra, a cada dia. É uma terra de muita beleza e poesia, mas também muito maltratada, maltratada pelos donos do poder. Os donos do poder foi que ensinaram e propagaram a violência”, diz. Mesmo crítico, Edson faz questão de dizer que hoje celebra o “mistério que Alagoas é” e relembra as potências culturais e artísticas do estado. Segundo ele, Alagoas tem um acervo cultural imenso, do qual não temos consciência, e gênios relativamente esquecidos, mas que de alguma maneira venceram a fragilidade da memória alagoana. “Mas eu continuo, como tantas pessoas, acreditando que Alagoas é uma terra que ainda há de brilhar muito no Brasil, muito mais do que já brilhou. Ela vai brilhar no dia em que a beleza e a poesia se agigantam dentro dela. É isso, Alagoas continua sendo aquilo que se ama e dói. E nós, hoje, continuamos precisando de um grande abraço fraterno”, finaliza o pesquisador. Quem completa essa reflexão sobre a necessidade de Alagoas se reinventar é Alberto Rostand Lanverly, escritor e presidente da Academia Alagoana de Letras (AAL). Na conversa, o professor discorre sobre as muitas influências culturais que marcaram a história de Alagoas e relembra que o estado nasceu em povoados chamados por ele de “fundamentais”: Penedo, Porto Calvo e Alagoas (que se tornaria Marechal Deodoro). Para Lanverly, o contexto e as influências que construíram Alagoas perdem importância quando alagoanos e alagoanas não acreditam que a verdadeira emancipação é a “aurora da liberdade”. Para ele, é preciso pensar Alagoas e a palavra emancipação como forma não somente de empoderamento, mas acima de tudo como modo de vida. “É certo que Alagoas já há 203 anos está emancipada de Pernambuco, porém, hoje tendo transcorrido um quinto do século 21, é importante que os seus filhos consigam a sua própria emancipação. A emancipação do saber. A emancipação é a aurora da liberdade; e a educação é o único caminho para emancipar o homem”, inicia o professor. “Desenvolvimento sem educação é criação de riquezas apenas para alguns privilegiados. As belezas de Alagoas são imbatíveis se comparadas a de outros estados, mas de nada adianta se seus habitantes não souberem ler e escrever. Sem pensamento não há diálogo possível nem emancipação em nível algum”, completa Lanverly, pontuando que comunga do pensamento da AAL para esta data. “A Academia Alagoana de Letras, neste 16 de setembro, mais do que nunca busca incutir no coração do alagoano que querer é poder, porém, o verdadeiro poder está nas mãos daqueles que detêm o saber. Só seremos definitivamente emancipados, a partir do momento em que o saber se transformar em um verdadeira ferramenta disponível a todos e todas.” Com um olhar atento, a museóloga e pesquisadora Carmem Lúcia Dantas faz questão de evidenciar que os últimos tempos cercaram Alagoas de desafios complexos. Hoje seria o momento de refletir o que o povo alagoano quer que Alagoas seja no ano que vem e no futuro mais distante. Dantas fala sobre o afundamento de bairros em Maceió e chama atenção para a preservação do patrimônio cultural. “Que nesses 203 anos Alagoas não perca a memória de si e de todas as pessoas que a constroem cotidianamente. Ver bairros de Maceió sumindo em virtude da irresponsabilidade capitalista é inaceitável. A preservação de nosso patrimônio humano, cultural e urbano é o único caminho para a dignidade de um lugar”, pontua Dantas.


ALAGOAS PARA OS ARTISTAS

É como se caminhassem juntos: o nome do estado e algum comentário sobre a arte produzida em Alagoas. Para David Farias, ator, diretor de teatro e diretor da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas, a fama de Alagoas ser uma terra fértil para artistas é justificada, mas só existe por meio de incessantes lutas travadas pelos artistas e articuladores culturais. De acordo com ele, nos 203 anos de Alagoas, é preciso refletir identidade a partir do fazer artístico e, ainda, articular um diálogo maior entre educação e cultura. “As lutas parecem infindas para os artistas de Alagoas. Principalmente no que se refere à formação de plateia”, diz David Farias, que aponta como solução uma educação que inclua a produção dos artistas locais no contexto da educação de base. “Acho que estamos muito distantes de uma realidade em que exista um diálogo entre as secretarias de Educação com as secretarias estadual e municipal de Cultura. E é importante tornar cultural consumir a cultura da arte. Isso só é possível através de ações conjuntas na base. Com um diálogo entre Educação, Cultura e artistas.” David também aponta que Alagoas chega aos 203 anos com políticas públicas culturais mais consolidadas. Para ele, esse é um dos avanços perceptíveis na relação de Alagoas com seus artistas. “Nos últimos dez anos tivemos grandes avanços no que se refere às políticas públicas culturais. Saímos da era do ‘quem indica’ para a era dos editais. Isso é muito importante e mobiliza muitas pessoas, desde as que nunca participaram de editais antes, até os que já estavam no mercado. Editais democratizam e ampliam oportunidades, para o público e também para a profissionalização dos próprios artistas”, continua. Outro aspecto positivo evidenciado pelo professor é a participação da sociedade nas decisões culturais e na gestão dos recursos públicos. Ele cita como exemplo o Comitê Gestor do Fundo Municipal de Cultura de Maceió. “São pessoas da sociedade civil, eleitas por pessoas da sociedade civil. Tivemos avanços, precisamos de mais e seguiremos na luta para conquistar espaços”. No entanto, David diz que Alagoas impõe uma luta diária aos artistas, principalmente no diálogo do setor cultural com o poder público. Ele defende que exista mais transparência nos editais e na aplicação de recursos e um diálogo mais próximo dos gestores com a realidade da produção local. “Toda data comemorativa é momento de celebrar, mas também de refletir como chegamos até aqui e como queremos que seja o futuro. Uma aplicação mais transparente dos recursos públicos, os editais, a formação dos conselhos de cultura são ações que nos aproximam da profissionalização enquanto setor, como é vista nos grandes eixos. Meu desejo, no entanto, é que os artistas de Alagoas possam, algum dia, ser apenas artistas, em vez terem que lutar todos os dias pelos seus direitos mais óbvios. Que eles, em vez de estarem nas ruas, obrigados a lutar, possam se dedicar aos espetáculos, aos filmes, pinturas e livros”, conclui David Farias.

Mais matérias
desta edição