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Nº 5868
Caderno B

PRESIDIÁRIO CONDENADO À MORTE CONTA EM LIVRO COMO SE TORNOU BUDISTA

No corredor da morte há quase 40 anos, Jarvis Jay Master diz que “liberdade está onde você está”

Por TAYGUARA RIBEIRO DA SILVA/ FOLHAPRESS | Edição do dia 30/11/2020 - Matéria atualizada em 30/11/2020 às 04h00

Ele foi condenado por participação na morte de um guarda da prisão, em 1985
Ele foi condenado por participação na morte de um guarda da prisão, em 1985 - Foto: Reprodução
 

Preso desde os 19 anos na penitenciária de San Quentin, na Califórnia, nos Estados Unidos, e condenado à morte desde os 23, Jarvis Jay Master se considera uma pessoa livre. Entrar em contato com o budismo, e ter se tornado um mestre da religião, foi fundamental para que ele se sentisse assim, mesmo depois de quase 40 anos tendo um presídio como lar. “A liberdade está onde você está”, diz o americano. O budismo entrou em sua vida por meio da leitura de livros e revistas que encontrou na prisão. Depois de se identificar com o tema, passou a enviar cartas vários destinos, até que teve um retorno. E não foram só cartas. Ele também recebeu visitas de mestres budistas, que se interessaram por sua história e passaram a acompanhar sua evolução religiosa. Os ensinamentos do budismo ajudaram Masters a se sentir em paz, mesmo num ambiente que se alimenta da violência e ainda a incentiva. O processo de aprendizado é o tema de seu livro “Encontrando a Liberdade”, que sai agora no Brasil. Em cerca de 200 páginas, o autor aborda algumas das complexas situações pelas quais passou nessas quase quatro décadas em que esteve preso. Jarvis Jay Masters é um homem negro que nasceu numa família pobre e teve uma infância cercada de negligência e violência, o que busca retrarar em seu livro. Ele foi recolhido a uma instituição para menores infratores aos 12 anos. Seguiu, entre idas e vindas, frequentando esse tipo de instituição ao longo de toda a juventude, até ficar de forma permanente em San Quentin. Seu pai abandonou a família quando Masters era muito pequeno e sua mãe teve problemas com drogas. Num dos casos contados no livro, Masters conta ter presenciado, quando criança, sua mãe sendo agredida por um homem até quase morrer. Avaliando que ela foi negligente com ele, Masters manteve sentimentos conflituosos em relação à mãe e só conseguiu admitir seu amor por ela depois de iniciar seu aprendizado no budismo. Espinhosos também são seus sentimentos em relação ao crime pelo qual foi condenado à morte. O relato sobre o que ocorreu naquele dia nem mesmo é detalhado nas páginas do livro. “Eu senti que seria mais importante não falar. Não queria que fosse um livro sobre se eu sou ou não culpado, se eu mereço ou não estar no corredor da morte”, diz Masters. Ele chegou a San Quentin em 1981 e se envolveu com algumas gangues ali dentro. Em 1985, um guarda da prisão foi assassinado por alguns presos. Ele diz ser inocente, mas foi condenado por ter, segundo a Justiça americana, afiado a faca que matou o funcionário do presídio. A condenação tornou o caso de Masters peculiar. Além de estar no corredor da morte, ele cumpre pena no mesmo lugar onde a vítima trabalhava, sendo vigiado pelos ex-colegas do guarda. O que tornou mais complicada sua estada em San Quentin. “Eu quero [com o livro] mostrar para os jovens que existe uma escolha, que é possível buscar outros caminhos”, diz ele, que teve permissão da Justiça para conversar com o repórter. “Eu ainda acredito que um dia estarei fora deste lugar, caminhando numa praia. Mas a liberdade tem a ver com a nossa mente e não com o lugar em que estamos”, diz. Segundo ele, muitas pessoas podem viver fora de um presídio, numa casa linda e com um carro de marca e, mesmo assim, se sentirem presas, por causa das angústias que sentem. “Esse contato com o budismo me ajudou a lidar com a violência na prisão, com a depressão, com a angústia e outros sofrimentos por estar aqui [no corredor da morte]. Mas também consegui ajudar outros presos, principalmente os mais jovens”, conta. Masters diz que tentou evitar o suicídio de um jovem detento e impediu que um homem gay fosse morto por outros presos. Em “Encontrando a Liberdade”, Masters afirma que a prática espiritual nada mais é do que nos mantermos despertos e próximos da “verdadeira natureza” de nossos corações e mentes, escolhendo a liberdade da compaixão, do amor e da felicidade em vez do sofrimento, segundo os ensinamentos do mestre budista Chagdud Tulku Rinpoche, reconhecido lama que se estabeleceu no Brasil e morreu em 2002.

Hoje, aos 58 anos, Masters está há mais tempo confinado numa cela do que passou livre. No corredor da morte desde 1990, ele passou mais de 20 anos em confinamento absoluto. Além do budismo, a prática de escrever sobre os seus sentimentos e os acontecimentos diários na prisão o ajudaram a conseguir lidar com o peso emocional que é esperar pela execução por várias décadas. Em 1992, ele ganhou um prêmio de literatura por um poema. “Durante muito tempo fui um desconhecido para mim mesmo e o budismo me ajudou no processo de aceitação”, diz. “Minha cela é muito pequena, realmente muito pequena. É possível abrir os braços e encostar cada uma das mãos na parede ao mesmo tempo. Estudar o budismo me ajudou a ampliar este espaço.” Ainda não existe data para que sua sentença seja cumprida. Há uma apelação em curso, com uma campanha chamada Free Jarvis, para que ele consiga ser solto.

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