app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 0
Caderno B

João Calabar lança "Epifania", seu disco autoral

Obra é repleta de experimentações sonoras e poética

Por Maylson Honorato | Edição do dia 29/04/2023 - Matéria atualizada em 29/04/2023 às 05h18

 

Foto: CAIO PAIVA
 

João Calabar desenha sua estreia fonográfica como quem pinta, em versos, um autorretrato. Em seus traços, a poesia do artista faz surgir cores de folguedos alagoanos, um rio, paisagens interioranas e os tons azulados do mar que banha o Litoral Norte de Alagoas. Nascido em Porto Calvo, ele foi criado entre essa cidadezinha cercada por histórias e Maragogi, capital turística daquela região. Esse trânsito e tudo o que encontrou pelo caminho deságuam em “Epifania”, primeiro EP do cantor e compositor de 25 anos, que já está disponível em todas as plataformas digitais.


Com quatro faixas autorais, Calabar materializa-se em canções que misturam sagrado e profano, falam de amor, fé e desamor. O dobrar dos sinos, que chamam a atenção dos fiéis para o início das cerimônias religiosas, é a primeira impressão do disco, que quer revelar o talento desse artista devoto da sua arte e que diz sonhar em ser artista desde o dia em que compreendeu-se ser humano.


“Tambores gritam / guerreiros da antropofagia passam as instruções / a influência / a analógica influência / é minha catedral”, assume João em “Epifania”, faixa-título desse primeiro e inteligente trabalho do jovem.


“Epifania, a música, surgiu no período de confinamento da pandemia, aquela coisa horrorosa. Naquele momento, comecei a resgatar coisas da minha infância em Porto Calvo. Pensando nas coisas de lá, com saudade da família, medo de perder algum familiar. Veio tudo”, diz João.


O artista estava em São Paulo quando a pandemia começou. Por lá, graduou-se em Publicidade, Propaganda e Marketing pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Naquela selva de pedras, olhou com muito mais cuidado para as bandas de cá.


“Em Epifania eu falo sobre chegança, pastoril, reisado. São coisas que me influenciaram na minha arte, sobretudo quando saí de Alagoas. Em São Paulo, comecei a perceber Alagoas com mais sensibilidade, percebendo coisas que, quando eu estava aqui, não conseguia enxergar, acho que por questões de maturidade. Falo do rio Tapamundé, de Porto Calvo, onde eu brincava. Falo da missa, da procissão. Essa música foi criada como o pensamento em algo divino. Assim que fiz, sabia que seria o nome desse primeiro projeto e que fazia sentido. É meu primeiro trabalho autoral e traz essa ideia da minha revelação como artista”, explica João Calabar.


A faixa seguinte exibe, nesse autorretrato, um artista sem medo da própria vulnerabilidade. “Urubus” foi a primeira canção composta por João, que experimentava afeto e desafeto quando resolveu escrever: “Acordar sem ter o sol / dando a cara pra enfrentar / um dia frio, um amor vadio / haja asa”, canta Calabar.


“Eu estava vindo de Porto Calvo para Maragogi, era uma manhã de inverno, fazia frio. No caminho, entre essas colinas que tem na estrada, tinha um urubu com as asas abertas, em um local onde tinha uns raios fininhos de sol batendo na montanha. Ele estava ali aproveitando para se aquecer”, conta o artista sobre a inspiração para a música.


Na sequência, “Agouro” escancara outras nuances do artista, que evoca uma proteção contra o mal através da música. Mas do seu jeito. “Que o golpe fatal lhe seja sutil / como beija o sereno a tez de uma flor / que o golpe final lhe deixe molhada / do sangue amargo do teu desamor”, entoa João.


Para finalizar esse primeiro vislumbre de João Calabar, o artista de Porto Calvo/Maragogi prepara uma bela refeição com todas essas referências sobre as quais discorre nas outras três canções. Degusta e digere esse prato. Somente para colocar tudo para fora. Em “Matriz”, João também diz que, diferente do que dizem sobre Domingos Fernandes Calabar — de quem o artista pegou o sobrenome emprestado — quer o Brasil para os brasileiros e bebe do que o país tem de melhor.


“Já estava gravando o EP, quando o pessoal do estúdio sugeriu que eu ouvisse algumas coisas diferentes. Eu estava ouvindo o álbum ‘A Tábua de Esmeralda’, do Jorge Ben Jor. Tava ouvindo muito esse álbum. Então ‘Matriz’, eu costumo dizer, tem um sotaque ‘Jorgebenjorniano’. Porque foi composta em cima de referências mesmo, nas melodias, em tudo”, revela o cantor.


JOÃO


Apesar de ser seu primeiro trabalho autoral, João tem brilhado nas redes sociais e nos cobiçados shows que realiza lá no litoral norte de Alagoas. Dono de uma voz potente e de uma beleza peculiar, ele conta que viver da arte tem sido um sonho possível e que aproveita cada etapa de uma carreira que está apenas começando.


O EP lançado ontem, 28 de abril, é obra hercúlea de um artista que produz a si mesmo, que pensou em tudo praticamente sozinho, da concepção à divulgação, e que apostou no universo para que o álbum realmente saísse na data estipulada — visto que ele mesmo fez o upload das faixas nas plataformas de streaming.


“Epifania” começou a nascer há um ano, mais tempo do que uma gestação. João revela que aprender a lidar com a insegurança também está no rol de aprendizados que o EP tem entregado.


Nesse tempo, o artista que fez a capa do EP, o designer Caio Paiva, faleceu. E tudo no projeto mudou, revela Calabar.


“Esse menino era uma jóia. Trabalhava com grandes nomes da nova MPB, com o Tim Bernardes, o Zé Ibarra, do Bala Desejo. Eu fui em cima dele porque era uma referência. A gente nem encerrou o trabalho, porque a gente ia lançar três singles do projeto e, por fim, o trabalho completo”, conta.


“Eu fiquei muito abalado, de verdade. Falei com ele na segunda e, na quarta, ele faleceu. Sabe, eu tô aprendendo tudo, do nada. Não estou tendo uma orientação para que eu possa fazer as coisas. se der certo, mérito meu. Se der errado, problema meu também. Mas uma das lições que eu tirei, no processo de Epifania, é que as coisas não podem demorar para acontecer”, continua João.


“A minha insegurança fez eu empurrar esse trabalho cada vez mais pra frente. Isso fez com que o trabalho pudesse colecionar feridas e cicatrizes que não cabiam à Epifania. Pelo medo, receio, insegurança em fazer, uma coleção de coisas negativas aconteceram. Fica essa lição, não deixe que as coisas tarde demais para acontecer. Faça agora”, afirma.


Com o desenho pronto, com suas cores, traços e contornos, João Calabar diz que “Epifania” o está “traduzindo bonitinho”. E que, agora, quer saber o que o público percebeu no seu som.


“Eu recebo muitas mensagens sobre a minha performance como intérprete. Mas agora eu quero saber como as pessoas receberam esse EP que tem tanto de mim mesmo, que saiu dessa minha cabeça, que viaja tanto. Eu sei o que eu quis dizer, mas agora eu quero saber o que essa minha poesia tem feito para o outro, para quem ouve. Venham me contar”, finaliza o artista.

Mais matérias
desta edição