A MARIA BONITA ALAGOANA
Atriz alagoana Roberta Aureliano volta a viver Maria Bonita
Atriz retorna a Serra Talhada (PE) para viver Maria Bonita em um dos maiores espetáculos a céu aberto do Brasil


A única capaz de domar a besta fera da caatinga, rainha do cangaço, mãe de todos os rebeldes cangaceiros — ou, simplesmente, Maria Bonita. Interpretar essa personagem, tão complexa e contraditória quanto Lampião, ou até mais, é o desafio encarado com respeito e coragem pela atriz alagoana Roberta Aureliano, que há 10 anos incorpora essa nordestina que habita a história e o imaginário do povo brasileiro. Entre os dias 26 e 30 deste mês, a artista volta a viver Maria Déa no espetáculo “O Massacre de Angico: A Morte de Lampião”, apresentado anualmente em Serra Talhada, em Pernambuco.
A peça teatral ocorre há uma década na Estação do Forró da cidade natal de Virgulino Ferreira, o Lampião. A la “A Paixão de Cristo” de Nova Jerusalém, o espetáculo pode ser visto a céu aberto e multidões se reúnem para contemplar as aventuras, o amor e a tragédia do casal Lampião e Maria Bonita, e todas as nuances que eles trazem consigo. O “cabra da peste”, é um dos principais nomes da cultura e história política do País, acumulando críticos e admiradores, mesmo após 85 anos de sua morte.
Roberta Aureliano nasceu em Maceió, mas respira desde a infância um “ar cangaceiro” — seja pelas histórias contadas e encenadas por seu pai, o saudoso mestre Ronaldo Aureliano, ou por ter vivido parte da infância em Serra Talhada. Para ela, voltar a interpretar Maria bonita é renovar energia criativa e dar voz a um exemplo da força da mulher nordestina, uma heroína, alega a atriz.
“É algo realmente muito forte dentro de mim. Sempre que retorno, parece que me renova como artista”, revela. “Fazer Maria Bonita, no entanto, não é algo fácil, é uma responsabilidade muito grande. Ela é história, assim como Lampião”, conta.
São 30 anos de carreira teatral, 15 anos de carreira musical e uma paixão sem fim pelo que é do Nordeste. Na peça, ambientada em cima de uma ribanceira de terra batida, ela faz três coisas: canta, interpreta, dança. Na trilha sonora, obras de Chico Science e Amelinha, além das músicas do cancioneiro popular, como “Mulher Rendeira” e a cantiga “Se Eu Soubesse”, são interpretadas pelo elenco.
Admirada pelo público serratalhadense e os turistas que lotam todos os dias de espetáculo, Roberta Aureliano diz que nunca pensou em fazer um mesmo personagem há tantos anos e que o papel foi e continua sendo um grande presente.
“É muito prazeroso interpretá-la também, principalmente nesta produção, com um elenco que já é uma grandiosa família. E trago parte de Alagoas comigo, trago nossa alagoanidade, que também tem sua parte na história do cangaço. Para composição do personagem tive que ler muita coisa sobre ela e descobri uma mulher forte, de voz ativa no bando e que, de certa forma, mandava em Lampião. Foi um presente que Anildomá me deu, junto com Cleonice e Karl Marx também”, comenta.
Na história de Maria Bonita, há traços de violência e abusos domésticos que se repetem até os dias atuais. Antes de casar-se com Lampião, Maria vivenciou uma relação baseada em agressões e infidelidades. Ela libertou-se após contestar as atitudes do então marido, apaixonou-se por Lampião e embarcou na vida cangaceira.
“Diversas pessoas vêm para assistir Maria Bonita, são fãs dela e da história dela. Ser mulher e representar Maria Bonita, que é uma mulher tão empoderada e que viveu tão a frente do seu tempo, tão corajosa, é motivo de orgulho”, afirma Roberta.
“Sair de Alagoas, desde 2012, para interpretar o papel de Maria Bonita na terra do cangaço é um grande orgulho para mim - e de mim, da escolha de ser artista, da minha trajetória, ainda mais se tratando de Maria Bonita, que trouxe para o cangaço a leveza, a sensibilidade da mulher, e mostrou que Lampião era um homem que se apaixonou, viveu intensamente seu amor, independente de ser herói ou bandido” completou.
O MASSACRE
O espetáculo “O Massacre de Angico: A Morte de Lampião” reconta a vida do rei do cangaço, Lampião, desde o desentendimento inicial de sua família com o vizinho fazendeiro, Zé Saturnino, ainda em Serra Talhada, até a sua morte. Na história, para evitar uma tragédia, o pai, Zé Ferreira, fugiu com os filhos para Alagoas, mas acabou sendo assassinado por vingança. Revoltados e querendo fazer justiça com as próprias mãos, Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos entregaram-se ao cangaço, movimento que deixou políticos, coronéis e fazendeiros apavorados nas décadas de 1920 e 1930 no Nordeste. Temidos por uns e idolatrados por outros, os cangaceiros serviram como denunciantes das péssimas condições sociais da época.
“Além de todas as novidades e surpresas, esta 10ª edição é motivo para olharmos para trás e honrarmos o legado do espetáculo, prestando homenagem a José Pimentel, primeiro diretor da peça, um renomado ator, diretor e escritor teatral brasileiro, que trouxe a grandiosidade do espetáculo ‘O Massacre de Angico’ para Serra Talhada, após seu trabalho na Paixão de Cristo da Nova Jerusalém.” explicou Anildomá Willans, autor do espetáculo.
Este ano, quem for conferir o espetáculo, que foi originalmente dirigido por José Pimentel, o tradicional Jesus de A Paixão de Cristo, traz novidades. A primeira delas é o destaque para a despedida de Maria Bonita e Expedita, sua filha.
Nesta edição, o público também poderá testemunhar a entrada de personagens marcantes na peça, como Antônio Conselheiro e Benjamin Abrahão. Suas participações trazem novas camadas à história, aprofundando o contexto e envolvendo ainda mais os espectadores.
A trilha sonora do espetáculo foi completamente regravada, oferecendo uma experiência sonora ainda mais imersiva e emocionante, de acordo com a produção.
A peça, dirigida por Izaltino Caetano e escrita por Anildomá Willans de Souza, renomado pesquisador do Cangaço, é parte do “Tributo a Virgolino - A celebração do Cangaço”, produzido pela Fundação Cultural Cabras de Lampião, com patrocínio do BNB e apoio de órgãos governamentais.