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CIDADE HISTÓRICA

Penedo, mas pode chamar de história a céu aberto

Projeto de Cármen Lúcia Dantas e Cíntia Ribeiro lança manual inédito que atualiza potência da cidade histórica alagoana e alia preservação patrimonial a narrativas negras, indígenas e contemporâneas

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Imagem ilustrativa da imagem Penedo, mas pode chamar de história a céu aberto
| Foto: JFERNANDES

Há muito a explorar em uma das mais importantes cidades históricas de Alagoas. Às margens do Rio São Francisco, onde casarões coloniais seguem testemunhando a passagem do tempo, Penedo ganha um novo mapa para decifrar suas contradições, seu labirinto de significados e potências. Lançado em formato digital e acessível, o Manual Prático e Inclusivo de Preservação desdobra a cidade além da arquitetura barroca, reunindo memórias de escravizados, resistência indígena e tradições quilombolas.

Desenvolvido pela museóloga Cármen Lúcia Dantas e a jornalista e doutora em Linguística Cíntia Ribeiro, o projeto — selecionado pelo edital de patrimônio da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa de Alagoas via Lei Paulo Gustavo — propõe um turismo que além de contemplar, questiona.

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| Foto: Ailton Cruz

“Proteger monumentos e sítios históricos é essencial para manter viva a nossa herança cultural. Com isso em mente, desenvolvemos orientações voltadas para o público interessado, incentivando a responsabilidade coletiva na conservação do patrimônio de Penedo. Essas dicas, além de valorizar o respeito cultural, também ajudam a evitar danos e a garantir a sustentabilidade desses lugares, para que as próximas gerações continuem aprendendo e se inspirando na nossa história”, detalha Cármen, que faz questão de enfatizar que o projeto abarca todos os ângulos da preservação, mas não se sustenta “apenas em histórias bonitas”.

O manual, disponível em PDF compatível com leitores de tela, evita o tom enciclopédico: em linguagem coloquial, convida jovens a explorar ruas que misturam barroco e modernismo, terreiros de candomblé e o Cine Penedo — reaberto em 2023 após quatro décadas fechado.

“Uma das principais satisfações deste projeto é a oportunidade de retomar textos antigos e atualizá-los à luz das pautas contemporâneas, especialmente no que diz respeito a gênero e raça. Essa adaptação contínua é possível graças à parceria com Cíntia Ribeiro. Ela tem um olhar cuidadoso e atento no trabalho de atualização”, complementa a museóloga.

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| Foto: Reprodução

Dividido em cinco seções, o guia funciona como uma radiografia social. Uma delas expõe o passado colonial não como evento encerrado, mas como sombra que persiste: 53 terreiros de axé resistem em uma cidade marcada pela arquitetura sacra católica. Outro capítulo destaca o Quilombo do Oiteiro, onde cerca de 700 pessoas mantêm casas de taipa e roças tradicionais, pressionadas pela expansão urbana. “Visitar esses espaços é mergulhar em histórias que os livros didáticos apagaram”, diz Cíntia Ribeiro, que continua.

“A urgência de conversar com as novas gerações veio da necessidade de envolver estudantes na preservação e na inclusão. Usar o termo ‘manual’ é justamente abrir caminhos para olhares diversos e para o reconhecimento de cada uma dessas perspectivas históricas no sítio de Penedo. Formulamos um manual prático de preservação em formato digital para suprir a demanda de educação patrimonial não só entre visitantes, mas principalmente entre quem vive na região”.

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| Foto: Prefeitura de Penedo

Entre essas orientações práticas estão dicas para não causar danos a monumentos (como evitar toque em pinturas sacras), e alertas a guias turísticos contra piadas preconceituosas. “É preciso acolher diferentes vivências, ainda mais em um lugar tão diverso como Penedo”, explica Cármen.

O manual também documenta tradições vivas, como a cerimônia Águas de Oxalá, realizada em fevereiro. “Ao som de cânticos e rezas, babalorixás e ialorixás conduzem o ritual que purifica e revitaliza”, descreve o texto, acompanhado de fotografias. Já a seção sobre o Theatro Sete de Setembro, primeiro palco alagoano, lembra que a cidade integra a Rede de Cidades Criativas da Unesco.

Para as autoras, repensar a preservação exige diálogo com quem habita o território. “O manual não é um check-list. É um convite para que moradores se vejam como parte da história”, afirma Cíntia. Prova disso é o capítulo que detalha o Mercado Público, espaço secular onde artesãos e agricultores mantêm viva uma economia de raízes africanas e indígenas.

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| Foto: Reprodução

Com recursos da Lei Paulo Gustavo, o projeto priorizou a gratuidade: qualquer interessado pode solicitar o material por e-mail. “Queremos que estudantes de escolas públicas tenham acesso a essa narrativa”, destaca Cármen. O próximo passo, segundo ela, é ampliar parcerias com instituições de ensino para workshops sobre educação patrimonial.

Enquanto isso, Penedo segue desafiando estereótipos. Entre conventos franciscanos e procissões fluviais, o manual aponta para um futuro onde preservar não significa embalsamar o passado, mas reconhecer que cada pedra da cidade foi tocada por “mãos plurais”, e é assim que ela deve ser lembrada.

O Manual Prático e Inclusivo de Preservação pode ser solicitado gratuitamente pelo e-mail [email protected].

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