A comparação dos servidores públicos a ‘parasitas’, feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, gerou uma onda de críticas, a ele [o ministro], pelo Brasil afora. Em Alagoas, a opinião de sindicalistas é a mesma: repúdio total à declaração. Contudo, há quem pondere, tente explicar a mensagem transmitida pelo representante do governo federal e os que também criticam a postura do funcionalismo no dia a dia.
Uma rápida e singela enquete feita pela reportagem nas redes sociais, ao longo desta semana que passou, demonstrou um pouco da imagem que os trabalhadores do serviço público passam à sociedade. Boa parte que se atreveu a comentar revela experiências negativas quando precisou ir a um destes órgãos e foi atendido por servidor.
“Na minha humilde opinião, a maioria dos brasileiros não tem muitas experiências boas com funcionários públicos. E não é difícil concordar com isso. É só comparar o atendimento por empresas e funcionários privados com o serviço público. Claro, que alguns se salvam”, avalia alagoana Ana Costa, que mora em São Paulo, atualmente.
Uma prestadora de serviço da Prefeitura de Maceió, que prefere não ser identificada, diz que inevitavelmente compara o trabalho dela com os efetivos e admite que fica angustiada. “Conheço uns aqui que só vem assinar o ponto e vão embora depois. Eu trabalho muito aqui no atendimento e, mesmo assim, sou taxada de preguiçosa e macetosa o tempo todo”.
Ela ainda reclama que, por ser contratada via processo seletivo, não tem os mesmos direitos dos servidores concursados, mas faz uma reclamação acerca do estatuto do servidor. “Na hora de ter os nossos direitos, o estatuto não serve, mas quando é para cobrar ou coagir os funcionários, as regras são utilizadas”.
A funcionária conta que em dias de visitas do gestor, uma força-tarefa é feita para que tudo fique nos conformes para evitar as críticas dos usuários. “Temos que fazer o serviço pela metade para que, quando ele chegar, a multidão não o oprima”.
Na opinião do estudante Diego Richel, a proporção de maus servidores é meio a meio com os bons. “Metade trabalha para compensar estes ‘parasitas do sistema”, avalia. Ele conta que estagiou em um órgão público e percebia o quanto alguns funcionários públicos eram morosos. “Quando o mouse do computador quebrava era o motivo para ser o dia de folga para estes servidores. Eles alegavam que a estação de trabalho não estava adequada, mesmo sabendo que bastaria abrir um chamado para o equipamento ser trocado”.
A declaração de Paulo Guedes foi dada durante uma palestra, na sexta-feira da semana passada, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Ao defender a necessidade de uma reforma administrativa para resolver a situação de estados que gastam mais do que arrecadam, o ministro criticou os reajustes automáticos de salários de funcionários públicos e comparou a relação desses estados com seus servidores com as relações de um hospedeiro com parasitas.
Na quarta-feira desta semana, Guedes recuou. Disse que foi mal interpretado ao usar o termo "parasita" para defender as reformas econômicas. Ele alegou que, quando os gastos com salários impedem o Estado de investir em saúde e educação, o parasita é o Estado, e não os servidores.
SINDICATOS REAGEM COM DURAS CRÍTICAS
A reação da sociedade civil organizada foi imediata após a comparação feita pelo superministro do governo Bolsonaro. O presidente do Sindicato dos trabalhadores da Saúde, Previdência, Seguro Social e Assistência Social, Francisco Mata, classificou a atitude de Guedes como preconceituosa e injusta, já que parte de um técnico que revela o que pensa do Estado Brasileiro.
“Vem no contexto de um governo que está perdido, que não consegue governar o País e que frustrou o seus eleitores. não tem nenhum respeito com os servidores públicos. O Brasil, hoje, tem 3 milhões de servidores e o percentual proporcional por habitante é de 1%, quando em países desenvolvidos é de 15%, em média. Há uma redução drástica de servidores públicos, sobretudo federais, por ausências de concurso público. Um exemplo disso é a situação do INSS, que não tem funcionalismo e tem uma fila enorme de usuários esperando benefícios”, analisou.
Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Prefeitura de Maceió (Sindspref), Sidney Lopes, o ministro da Economia não merece consideração alguma do trabalhador por “ter discurso de ódio”. “Ele vive dizendo que somos vagabundos e estamos quebrando a economia do País, quando, na verdade, é o contrário, somos trabalhadores, são os servidores públicos que estão a frente de cada serviço municipal, estadual e federal. Somos professores, enfermeiros, contadores, merendeiros e serviços gerais.
Crítica contundente também partiu da secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), Girlene Lázaro. Segundo ela, a postura do ministro foi vergonhosa e absurda, desrespeitando a classe trabalhadora. “E, o pior, é que esta declaração soma-se a outras esdrúxulas e ofensivas, da mesma forma, desferidas contra os trabalhadores por membros do governo federal, mas também e principalmente pelo próprio presidente da República”.
Unânimes, os sindicalistas ouvidos pela Gazeta tratam o servidor como essencial e que exercem papel decisivo na gestão pública. “A sua missão é a de servir o interesse da coletividade, mantendo sigilo e ética. Se o serviço público acaba, ficamos mais ainda a mercê das vontades políticas”, avalia Sidney Lopes.
Girlene afirma que em todo o espaço de trabalho, seja privado ou público, podem existir trabalhadores mais improdutivos, mas a grande maioria com certeza está no lado mais produtivo. Ela observa que a realidade do serviço público no Brasil encontra mais uma importante dificuldade, que acaba sendo invisibilizada pela própria sociedade, que joga a culpa nos servidores públicos por causa de problemas na área, quando, na grande maioria das vezes, o que emperra o funcionamento dos serviços públicos, é a burocracia.
Na opinião deles, a sociedade precisa entender que todas as políticas públicas só são consolidadas por conta dos servidores públicos. “As pessoas que dizem que servidor público é preguiçoso são aquelas que têm inveja ou não sabem como é o dia a dia do servidor”, acredita Lopes.
Segundo ele, está cada vez mais difícil lutar pela valorização do serviço público. “Um governo que sempre quer compensar suas perdas em cima do trabalhar, retirando direitos e diminuindo salários. Isso tudo vemos como uma forma de desmerecer mais o funcionalismo público e cada vez mais tirar a dignidade do trabalhador”. completa.
A representante do Sinteal comenta que a fiscalização do desempenho dos servidores é falha pelo poder público. De acordo com ela, não são utilizados critérios justos e democráticos. “Erra-se gravemente quando avalia de forma igual quem desempenha sua função em condições de trabalho desiguais. Na verdade, não há um acompanhamento sistemático”, analisa.
ALGUNS SERVIDORES SE ACHAM ‘BLINDADOS’, DIZ ADVOGADA
A advogada Leiliane Marinho é procuradora do município de Boca da Mata e faz considerações ponderadas acerca da avaliação feita por Paulo Guedes, embora classifique que o ministro foi infeliz até porque ele também é servidor público. Mesmo assim, ela diz compreender a comparação a ‘parasitas’ àquelas situações onde a proporcionalidade das remunerações não condiz com as atribuições, bem como àqueles que não executam suas funções ou se acham blindados pela estabilidade.
Para ela, o ministro não pode, e nem deve, generalizar, muito menos ofender toda uma classe em nome de um discurso ou de uma proposta. “O que o Estado brasileiro deve buscar é um enxugamento da máquina administrativa com a extirpação dos excessos, remunerações altíssimas que não comportam dentro da realidade financeira do país, bem como ser mais eficiente com a fiscalização do serviço prestado à população, melhor aparelhando os setores, inclusive qualificando os profissionais, e dando-lhes condições dignas de trabalho”.
Ela diz que não compactua com a ideia de que o servidor público é preguiçoso, já que também cairia no erro de generalizar, entretanto, compreende que uma parcela de servidores - em todos os âmbitos - se aproveita da garantia de estabilidade e deixa a desejar em suas funções.
“Penso que para resolver esse impasse é importante que haja uma melhor fiscalização por parte dos gestores, assim como que a avaliação de desempenho deixe de ser letra fria de lei e passe a ser aplicada de fato. Em qualquer classe há aqueles que deixam a desejar, mas não podemos generalizar. Outro ponto é a necessidade de reciclagem que deve ser garantida pelo poder público, e quase nunca acontece”.
ESTADO EXONEROU MAIS DE 2 MIL SERVIDORES EFETIVOS EM 5 ANOS
O governo de Alagoas exonerou 2.254 funcionários públicos efetivos nos últimos cinco anos. A informação é da Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag). As demissões aconteceram em virtude de pedidos de exoneração por parte dos servidores ou em razão de decisão oriunda de processo administrativo disciplinar coordenado pela Comissão Permanente de Processo Administrativo Disciplinar (CPAD).
O Estado de Alagoas tem, atualmente, 30 mil servidores no quadro efetivo. Abrangendo a administração direta e indireta, são 42 carreiras civis e duas militares.
De acordo com o órgão, o funcionalismo público é essencial para a transformação e eficácia dos serviços entregues à sociedade alagoana. E informa que, para que esses agentes estejam em consonância com os propósitos governamentais, é preciso que desenvolvam suas funções entendendo e respeitando a Lei 5.247 de 26.07.91, que instituiu o regime jurídico único dos servidores públicos civis do Estado de Alagoas e estabelece os direitos e deveres do funcionalismo.
A Seplag explica que há sanções aos que não respeitarem as diretrizes estabelecidas conforme a legislação ou tiverem desvio de conduta que cause ônus ao ente. Os funcionários públicos poderão responder a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que, no âmbito da administração pública, é instaurado por meio de uma comissão específica vinculada à secretaria.
“Compete à Seplag proceder ações de prevenção, consulta e apuração dos ilícitos disciplinares de forma independente e imparcial, assegurando o sigilo e oportunizando a ampla defesa necessária para a elucidação do fato no devido processo legal. As sanções podem variar entre a cassação da aposentadoria, a destituição de função comissionada e a demissão, caso efetivo”, destaca.
A Gazeta não recebeu as respostas da Secretaria de Gestão da Prefeitura de Maceió até o fechamento desta reportagem.