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Nº 5897
Cidades

Servidora do Hélvio Auto é contaminada três vezes por falta de EPIs

Técnica de enfermagem já foi infectada duas vezes por tuberculose, está em isolamento com sintomas da Covid-19

Por arnaldo ferreira | Edição do dia 25/04/2020 - Matéria atualizada em 25/04/2020 às 06h00

Depois da contaminação pela Covid-19 e da morte da colega Maria da Conceição, que trabalhava no setor de Higienização do Samu, uma das servidoras do único hospital de referência do Estado para tratamento de doenças infectocontagiosas, o Hélvio Alto, a técnica de Enfermagem Maria Elizabete Omena de Almeida decidiu romper o silêncio e revelou ter muito colegas contaminados por falta de equipamentos de segurança e de respeito do governo com os trabalhadores das unidades de saúde. Revelou que foi contaminada três vezes em seu local de trabalho por causa de carência de EPIs. Nas duas primeiras vezes, pela bactéria da tuberculose. Agora, está em isolamento radical, recebendo tratamento de médicos do antigo HDT para conter a evolução da possível contaminação do novo coronavírus.

“Bete”, como é conhecida entre os colegas, na manhã do dia seguinte ao plantão começou a sentir o nariz congestionado, forte dores de cabeça, garganta arranhando, dificuldade para respirar, fraqueza nas pernas, entre outros sintomas. Recebeu atendimento dos colegas médicos do hospital onde trabalha há 17 anos. As médicas foram unânimes em afirmar que se trata de mais um caso suspeito, com forte probabilidade de testar positivo para a Covid-19. Ela ainda aguarda o resultado dos exames.

Com dificuldades para andar e falar, aceitou sair do quarto onde está em isolamento radical, na casa onde mora, ao saber que o objetivo da reportagem é alertar pessoas que não acreditam na contaminação. Ela aproveitou para cobrar do governo de Alagoas responsabilidade com servidores da Saúde. “Nós não queremos ser chamados de heróis. Queremos viver, respeito e condições de trabalho com dignidade”, desabafou. “Sou prova da gravidade deste vírus”. A entrevista foi interrompida e reiniciada em seguida por causa falta de ar que a servidora sentiu.

Maria Elizabetea de Almeida, ao sair do plantão no domingo, sentiu sintomas semelhantes ao do coronavírus. Ao comunicar a uma das médicas do hospital, foi imediatamente afastada do trabalho. As médicas a orientaram a observar os sintomas em casa, manter isolamento total da família e aguardar cinco dias para fazer os exames. Ainda recebeu a recomendação de que, em caso de febre elevada, diarreia e agravamento do desconforto respiratório deveria correr para o antigo HDT a fim de fazer o hemograma, raios-x e o exame com bioquímica. Com três dias, o desconforto aumentou. Para alertar os colegas de trabalho, divulgou na rede do grupo de trabalho os sintomas que sentia. Os médicos a convocaram para voltar ao hospital a fim de iniciar o tratamento.

Durante quatro dias, fez tratamento com antiviral potente (ela revelou o nome, mas, por orientação dos profissionais de saúde, não será divulgado). A medicação combate também vírus do tipo H1N1 e outros que atacam o aparelho respiratório. Até o momento não existe medicação específica para a Covid-19. A orientação e tratamento foram orientados pelos infectologistas do setor onde a técnica trabalha. “A recomendação é de ficar em casa, em isolamento social rígido da família: trancada no quarto, evitar contatos com vizinhos e não manter contato nem com o marido. Estou saindo do quarto só para atender a Gazeta de Alagoas”, frisou.

Suspeita de contaminação

Na entrevista exclusiva, a servidora disse que não era a primeira a ser contaminada no trabalho. “O primeiro caso foi de uma enfermeira. Já teve outros casos suspeitos. Tem funcionários em situação semelhante à minha, aguardando resultados de exames”. Ao ser questionada se tem equipamentos de Proteção Individual, revelou as dificuldades e os riscos. “Recebemos (até o dia 21) três máscaras para passar 12 horas trabalhando com esse equipamento que é fundamental. Na minha avaliação, para cada paciente que se atende tem que ter uma máscara”.

A técnica trabalha na unidade 11 [de internamento de paciente]. Era da unidade 13 [que cuida de pacientes com problemas respiratórios] e, por causa dos problemas de coluna que se agravaram, foi transferida para trabalhar no pronto atendimento, que é a porta de entrada dos pacientes com doenças infectocontagiosas. O setor funciona como triagem. O técnico de enfermagem atua em apoio aos médicos e enfermeiros.

A servidora fez críticas à política de proteção a saúde dos trabalhadores da Saúde Pública. “Faltam equipamentos de Proteção Individual na maioria dos hospitais públicos. Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e de serviços gerais, da linha de frente dos hospitais e do Samu estão apavorados. Tem colegas contaminados. Perdi, na semana passada, a amiga Maria da Conceição, [que trabalhava] na higienização das ambulâncias do Samu. Antes de morrer, ela tentou conseguir equipamentos de proteção com amigos”.

Ao ser questionada como avaliava o tratamento à pandemia do corona no Estado, respondeu: “Este governador quer aparecer. Não veja nada. Até o hospital de Campanha instalado no Ginásio do Sesi foi feito com dinheiro da Braskem. Cadê as verbas federais?”. Lamentou ainda que no hospital de referência, o Hélvio Auto, tem menos de dez leitos. “Até bem pouco tempo só havia um leito de UTI e quatro enfermarias para casos de coronavírus”. Lembrou que o HDT trata pacientes com HIV/Aids, tuberculose, meningite, entre outras doenças contagiosas que também ocupam boa parte dos leitos de UTI. “Como fica esses outros pacientes?”.

Disse que todos os profissionais receberam treinamentos para lidar com a Covid-19. “O problema é faltam EPIs”. Destacou a boa vontade dos médicos e da direção do HDT. “Mas a gente percebe que o governo não dá a devida importância para o único hospital de referência para cuidar de doenças infectocontagiosas no Estado”. A crítica da servidora coincide com as feitas pelo presidente do Conselho Regional de Medicina, infectologista Fernando Pedrosa, que acusa a política de saúde do governo Renan Filho (MDB) de não dar a importância e nem mobilizar para linha de frente no combate da pandemia os especialistas em infectologia do HDT.

Considera como perigosa a atitude de pessoas que não temem ser contaminadas. “Eu, outros colegas contaminados, a colega que morreu recentemente, somos a prova da gravidade desse vírus. Se alguém não acredita na doença por não ter visto um rosto conhecido ainda, aqui estou eu: trancada no quarto, sem ter contato com marido e a minha filha. O vírus mata ou nos deixa psicologicamente arrasados”.

Maria Elizabete fez questão de mandar “um recado” ao governador: “Os profissionais de saúde estão arriscando as vidas todos os dias, o governo desconta 14% dos nossos vencimentos para a Previdência do Estado. No meu caso, tenho salário de pouco mais de R$ 2 mil somando vantagens. Arrisco minha vida num hospital que regularmente recebe casos de meningite, tuberculose. A minha situação é semelhante à de centenas de colegas. As autoridades nos chamam de guerreiros, de heróis, mas a gente não quer essa fama porque não enche a barriga nem paga as nossas contas. A gente quer dignidade, respeitos, os EPIs, condições de segurança no trabalho, reconhecimento salarial”, desabafou a servidora da saúde

MPT

O desabafo da técnica de Enfermagem Maria Elizabete ocorreu no mesmo dia em que o governo do Estado se comprometeu, no Ministério Público do Trabalho, a melhorar as condições de trabalho dos profissionais que atuam no Samu e pagar remuneração integral aos trabalhadores que necessitem se afastar de suas atividades por problemas de saúde, especialmente se tiverem sintomas da Covid-19. O compromisso foi assumido pelo secretário de Saúde, Alexandre Ayres, durante audiência no MPT, na presença dos representantes dos sindicatos das categorias da Saúde.

A audiência ocorreu após o MPT receber denúncia de trabalhadores do Samu contaminados pelo novo coronavírus. Os funcionários não estariam recebendo EPIs adequados à atividade. Durante inspeção nas dependências da central do Samu em Maceió, no mesmo dia, trabalhadores denunciaram ainda a afastamento de colegas por doença e prejuízos com a perda do adicional de insalubridade. O secretário Alexandre Ayres garantiu que, em caso de afastamento, o trabalhador não terá perda de sua remuneração.

As reclamações dos servidores não param, mas o secretário garantiu que toda a rede hospitalar gerida pelo governo de Alagoas está abastecida com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

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