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Nº 5897
Cidades

PANDEMIA CAUSOU TRISTEZA E ANSIEDADE INTENSAS EM ALAGOANOS

Dados são de pacientes que buscaram atendimento psicológico gratuito durante o período mais crítico da crise sanitária

Por Mariane Rodrigues | Edição do dia 05/11/2022 - Matéria atualizada em 05/11/2022 às 14h23

Matheus Amaral, de 26 anos, já havia controlado a ansiedade após um período de tratamentos psicológicos. Ele também já havia suspendido os medicamentos, por recomendação médica. E já conseguia viver sua rotina normalmente.

Com ajuda dos exercícios físicos, era raro sentir novamente os sintomas. Mas, em 2020, ele viu todo o esforço ir por água abaixo quando surgiu a pandemia do novo coronavírus. A ansiedade voltou com força e, junto com ela, uma forte sensação de tristeza. Era como se todo o tratamento tivesse voltado para a estaca zero. A pandemia do coronavírus surgiu como um gatilho para Matheus, morador do bairro da Serraria, parte alta de Maceió.

“Eu comecei a ter tristeza, preocupação, angústia, compulsão alimentar e desânimo”, relata o professor de ginástica e estudante de Educação Física, que passou a sentir os sintomas já no primeiro mês da pandemia. “Não tinha vontade de fazer nada e engordei 15 quilos”, acrescenta.

Isolamento social, distanciamento entre as pessoas, milhares de mortes diárias e tensão notificadas cotidianamente se tornaram a nova rotina, não só do brasileiro, mas de toda a população mundial. Somado a isso, o fechamento do comércio para o cumprimento de medidas sanitárias levou milhares de pessoas ao desemprego. E Matheus foi um dos afetados pela falta de trabalho. Ele ficou quase um ano sem trabalhar.

“Eu já havia feito um tratamento com psicólogo e psiquiatra, quando precisei incluir medicação e tudo mais, porém, já tinha parado a medicação e estava muito bem. Com tudo isso, justamente durante a pandemia, senti a necessidade de voltar com as medicações, inclusive, até hoje estou tomando”, afirma.

O jovem é uma das milhares de pessoas que sentiram o peso da pandemia na saúde mental. Não há dados padronizados pela rede pública de saúde sobre quantas pessoas, em média, teriam buscado ajuda psicológica ou foram afetadas psicologicamente pelo problema mundial.

A Prefeitura de Maceió, por exemplo, não possui esses números, nem a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau). A Sesau realizou um levantamento baseado na quantidade de pessoas que foram atendidas por meio de um programa gratuito criado pela pasta e que funcionou ao longo dos períodos mais críticos da pandemia – de 1º de junho de 2020 até 31 de dezembro de 2021.

O programa Alô Saúde Mental foi criado pela Supervisão de Atenção Psicossocial da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), para prestar assistência psicológica a qualquer pessoa maior de idade, que estivesse em sofrimento mental. Nesse período, 2.585 pessoas pediram ajuda psicológica gratuita por meio do programa, que funcionou de maneira virtual, através do WhatsApp.

Do total, de acordo com o levantamento, 1.840 eram do sexo feminino, o que representa um percentual de 71,18% , enquanto os homens foram 27,78% das pessoas que buscaram atendimentos, um total de 745 homens. De acordo com a Sesau, no que diz respeito aos sintomas relatados por essas pessoas, 30% disseram que estavam sentindo tristeza e 25% ansiedade, representando a maior parte do quadro sintomático. Já 10% dos atendidos disseram sentir pânico, medo e taquicardia, enquanto 6% apresentaram falta de ar e tremores. Em menor quantidade, 5% falaram chorar facilmente.

Sobre a intensidade e frequência dos sintomas, itens que determinavam também as classificações dos usuários, observaram os seguintes resultados: 55,56% das pessoas relataram que os sintomas estavam intensos e muito intensos, sendo que desse percentual, 47,41% sentiam intensidade, enquanto 8,15% muita intensidade. Já 28,89% disseram que os sintomas eram moderados e 11,85% leves.

O programa não permitia menor de idade, por recomendação do Conselho Regional de Psicologia, sendo assim, a maior parte dos que procuraram apoio psicológico, 42% tinham de dezoito a vinte e nove anos, 29% de trinta a trinta e nove anos, 18% de quarenta a quarenta e nove anos, 7% de cinquenta a cinquenta e nove anos, 2% de sessenta a sessenta e nove anos e 1% acima dos setenta.

Outro dado coletado na triagem foi à quantidade de pessoas que moravam na mesma casa. 8% dos usuários que acessaram o serviço moravam sozinhas. 23% duas pessoas, 25% três pessoas, 29% quatro pessoas, 15% cinco ou mais.

DESAFIO PARA A PSICOLOGIA

Em decorrência do distanciamento e isolamento social, os atendimentos psicológicos passaram a ocorrer de forma virtual. Segundo a presidente do Conselho de Psicologia de Alagoas, Zaíra Rafaela Lyra Mendonça, o número de psicólogos que solicitaram inscrição no cadastro nacional para autorização na realização desse tipo de atendimento foi quase cinco vezes mais do que o normal.

“Lembro que a gente tinha 40 psicólogos até início de 2020 e em três meses a gente já tinha 300 e poucos psicólogos inscritos no cadastro nacional. No período mais crítico, eram 50 a 60 psicólogos todo mês solicitando inscrição para atendimento online pelo que estavam recebendo de demanda”, afirma.

“Muita gente me ligava me pedia indicação de psicólogo que fizesse atendimento online na sua empresa ou na sua escola. Online, remoto, a busca para que psicólogos não cobrassem pelos serviços. Houve uma demanda imensa, inclusive, o número de psicólogos cadastrados para por atendimentos online quintuplicou em seis meses”, afirma a representante da categoria no estado.

Para Zaíra, apesar de os impactos da pandemia hoje terem sido reduzidos em termos de números de casos e de mortes, os efeitos psicológicos ainda devem perdurar por um bom tempo.

“A pandemia é algo que essa geração nunca viveu e entendo que as consequências ainda virão, elas não acabaram. Até quem acha que não foi afetado, foi. Porque se os ambulatórios de psiquiatria e os consultórios de psicologia encheram, isso não vai reduzir em pouco tempo. A gente tem recebido muita gente que está se dando conta agora que está tendo algum problema psicológico por causa da pandemia. E não é só em decorrência da pandemia em si, mas do que ela aflorou. Porque temos modos de nos relacionarmos, maneiras constitutivas que são mais ou menos adaptativas. Mesmo antes da pandemia, a gente tem nossas características de personalidades que são mais funcionais ou não. E dentro dessa possibilidade, a pandemia ativou nossos mecanismos psicológicos, comportamentais, de sobrevivência. A gente está ainda sob efeito dessa pandemia. Estamos todos nisso, de uma maneira ou de outra”, finaliza.

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