São Paulo, SP – A capacidade de conseguir um financiamento imobiliário piorou para a metade mais pobre da população entre 2017 e 2018 e, mantida as tendências atuais do aumento da desigualdade, a situação deve seguir se deteriorando. A análise é dos economistas do Observatório Brasileiro de Crédito Habitacional Henrique Bottura Paiva (pesquisador da UNB e da Fipe) e José Pereira Gonçalves, também ex-superintendente da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário (Abecip). Em estudo publicado no observatório, os pesquisadores simularam a capacidade de financiamento segundo a renda média de cada um dos percentuais de renda a uma taxa de juros real de 5% ao ano, num prazo 180 meses e seguindo o sistema de amortização Price. Comparando essa capacidade no ano de 2018 (mais recente disponível) com o de 2014, eles observaram que os 10% mais pobres perderam em média 25,7% da sua capacidade de financiamento -ou seja, se em 2014 eles conseguiam financiar R$ 100 mil, em 2018 esse teto passou para R$ 74 mil. Considerando os 50% mais pobres, a perda foi de 10%. Por outro lado, o oposto ocorre entre os mais ricos: o 1% do topo viu sua capacidade de financiamento aumentar em 9,4%. A variação é positiva mesmo considerando os 5% mais ricos (aumento de 2,41%) até os 20% mais ricos (aumento de 0,43%). A distância observada reflete em parte o agravamento da desigualdade de renda verificada no país a partir da crise econômica de 2014. O mercado imobiliário é especialmente sensível a esse movimento, uma vez que renda é um fator determinante para o acesso a crédito imobiliário entre as famílias. "Não adianta ter tanto otimismo com a recuperação do mercado imobiliário porque esse crescimento não está levando todo mundo. É de um setor, de um mercado específico, que está deixando a maior parte das pessoas para trás", afirma Paiva. Uma das principais razões para essa limitação da recuperação do setor se deve ao fraco desempenho do mercado de trabalho, na análise dos economistas. Em um cenário de alto desemprego como o atual, a renda média das famílias encolhe, o que afeta sua capacidade de contratar financiamento. Outro fator que agrava esse cenário é que as vagas abertas ainda têm se concentrado no setor informal, o que dificulta a aprovação do crédito pelas instituições financeiras, além de ser caracterizado por uma renda volátil. "Fica difícil imaginar uma significativa expansão do setor [imobiliário] quando seu público potencial restringe-se a uma fatia tão pequena da população", escrevem os autores. Neste ano, por exemplo, não houve contratação de novas moradias para a faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida, destinada a população de baixíssima renda. O governo Bolsonaro tem afirmado que deve substituir a contratação de habitações nessa faixa -altamente subsidiada- pela distribuição de vouchers, que poderão ser utilizados pelas famílias para aquisição e/ou construção. Dada a heterogeneidade da população, um programa nesses moldes pode ser interessante, afirma Paiva, mas isso vai depender em larga medida de como será regulado. "O voucher pode acabar gerando um aumento de preços. Imagina que você solta vouchers em massa num mercado sem condição de expandir a oferta, pensando que a construção demora e exige capital. Outro problema é acabar estimulando um tipo de moradia muito precária, porque não não regula como ela será ofertada", avalia o economista. A opção pela compra de imóveis pelos mais ricos como forma de investimento, que poderia ajudar a movimentar o mercado nesse cenário, também fica prejudicada pela estagnação da renda média da população, uma vez que limita o valor dos aluguéis e o potencial de valorização dos imóveis no longo prazo, afirmam. A rigor, a redução dos juros ampliaria a fatia de famílias com potencial de acesso a crédito, mas na visão dos economistas esse movimento deve ser barrado pela perda de competitividade da caderneta de poupança (principal instrumento de captação de recursos para o setor imobiliário) como opção de investimento."Deste modo, será muito difícil nos próximos anos o crédito imobiliário voltar a apresentar o mesmo crescimento de 2019, quando o SBPE registrou expansão superior a 30%, uma vez que as alternativas de captação de recursos exigirão remuneração mais elevada do que a proporcionada pelas cadernetas, com impactos nas taxas a serem cobradas nos financiamentos", afirmam.