ONDA DE POSITIVIDADE
Do cancelamento ao acolhimento: há uma luz no fim do túnel das redes sociais
Usuários e perfis que levam mensagens positivas, leves e divertidas têm conquistado o público na internet


As redes sociais são um espaço onde convivem informação, entretenimento e interação, mas também se tornaram palco para discursos de ódio, fake news, cancelamentos e julgamentos rápidos. Um verdadeiro júri virtual ao qual os usuários são submetidos diante de um mínimo deslize. Indo contra a onda negativa de conteúdo e comportamento, há movimentos e iniciativas que acendem uma luz de esperança e promovem um ambiente mais acolhedor e positivo, tornando a rede mais respeitosa e empática.
São pessoas e perfis que tornam os dias dos seguidores mais leves e felizes ao desejarem um bom dia, compartilharem uma história com final feliz e conversarem sobre assuntos, muitas vezes, óbvios e corriqueiros, que talvez por esse motivo acabem passando despercebidos diante da correria do dia a dia.
Um desses perfis é o @pagevibe. Criada pelo publicitário maceioense Marcello Victor Silva, de 29 anos, a página conta com mais de meio milhão de seguidores e já teve diversas postagens compartilhadas por famosos como Emma Watson, Marcos Mion, Candice Swanepoel, Gisele, Tame Impala, Anne Hathaway, Jack Johnson e Gilberto Gil.
Nesse espaço virtual, Marcello, que se mantém anônimo mesmo com o sucesso do perfil, compartilha imagens felizes e divertidas, acompanhadas de mensagens simples, mas, muitas vezes, profundas, que fazem as pessoas refletirem sobre seus comportamentos e a própria vida. Ele conta que tudo começou com a ideia de tranquilizar os colegas de sala do 3º ano do Ensino Médio, que se preparavam para a prova do Enem e, de repente, acabou conquistando diversos públicos não só de Maceió, mas do Brasil e do mundo.
“Eu criei a página quando estava no último ano do Ensino Médio. Na época, o Facebook estava no auge aqui no Brasil e todos os meus amigos e colegas da escola tinham. Eu criei com o intuito de compartilhar boas mensagens que deixassem a minha turma mais tranquila quando estava na época de prova e Enem. Comecei a compartilhar umas frases que criava na cabeça e adicionava uma foto de por do sol. Até então, não sabia que a página ia explodir. Não fiz com essa intenção e ainda não existia o termo ‘influenciadores’. Após uns dois meses de página criada, surgiu o Instagram também, então começaram a aparecer novas pessoas de outras escolas de Maceió, outros estados do Brasil e até de fora do Brasil. Isso foi um susto pra mim, pois eu não entendia nada.Continuei compartilhando mais e mais, mas nunca quis ser famoso. Nunca me preocupei com isso. A página em si é conhecida, mas eu sempre me mantive anônimo. Nunca apareci por lá”, conta.
Segundo ele, a inspiração para as postagens vem da própria vida, dos erros e acertos dele, e do que observa na vida de pessoas desconhecidas que encontra na rua e de parentes e amigos. “O que não me faz parar são as mensagens que recebo, o carinho em um simples obrigado. Sempre deixo claro que não estou ali para agradar ninguém e quem me segue há muito tempo costuma dizer que dia sim e dia não levam um ‘tapa na cara’ ao ler um texto meu”, fala.
O publicitário alagoano diz ainda que o sentimento, ao final de todo o processo, é prazeroso. “Imagine você ganhar dois ingressos para o show da sua banda favorita e poder levar um teu melhor amigo que tá num momento triste. No fim ele chora, te abraça e te agradece por ter esquecido um problema mesmo que por algumas horas. O sentimento é esse aí. É bom demais”, relata Marcello.

O psicólogo Carlos Gonçalves explica que, desde a pré-história, o homem tem a necessidade de se comunicar. E hoje, com as redes sociais, não é diferente. As pessoas precisam falar e se manter em contato, mas muitas vezes esquecem de mudar de posição e se colocar no lugar do outro, o que acaba ocasionando os cancelamentos. Além disso, nas redes sociais, e na internet como um todo, os usuários assumem uma postura diferente, como se pudessem fazer e falar tudo, sem filtrar as palavras.
“Hoje, o contato entre as pessoas é muito instantâneo, e essa velocidade faz gerar, com certeza, uma série de contextos de problemas de saúde mental. Um deles é a questão da ansiedade. Temos tudo tão rápido que, se eu mandar uma informação para você e perceber que você não retornou, já é motivo para discussão. Isso faz com que a gente se sinta na obrigação de ter que andar com o celular para cima e para baixo. Mas, ao mesmo tempo em que a internet promoveu esse processo de comunicação com o mundo todo, há também uma falta do contato presencial. E por trás desse lugar onde a gente fica, por trás das telas, acreditamos que podemos tudo, inclusive falar mal do outro e ser agressivo. É como se fosse uma terra de ninguém. Na internet, as pessoas assumem um poder, uma força maior para falar e fazer o que quiserem. É um lugar permissivo, mas muito perigoso, porque faz com que a gente revele traços nossos que às vezes a gente até desconhece”, diz o psicólogo.
Ele conta que, de fato, a internet não tem sido um lugar de gentilezas, apesar de algumas pessoas atuarem para promover uma mudança nesse aspecto, plantando uma semente para delicadezas, para falar de coisas boas. “Se formos prestar atenção, quando assistimos a um filme ou uma novela, há um certo masoquismo ligado a isso. Esperamos sempre a parte ruim, a tragédia. O ser humano tem uma ligação maior por esse lado da sombra, por esse lado perverso, e é nesse lugar que, muitas vezes, as pessoas se revelam e acabam atuando como juízes, por acreditar que têm o direito de julgar uma atitude do outro”, afirma.
Carlos chama a atenção para o fato de o cancelamento ser um tipo de punição que gera graves problemas para quem sofre, por isso, é importante estar atento ao que se comenta e se fala nesse espaço virtual.
“O cancelamento pune, deixa as pessoas sem uma coisa que é extremamente importante, que é a comunicação. Acabam o diálogo e a oportunidade de se defender. Hoje, as pessoas não estão mais com a prática de querer ouvir o lado A ou o lado B. Elas apenas fazem o julgamento dessa pessoa e a colocam nessa fogueira. Então, esse campo virtual acaba prejudicando e muito a vida de quem é atacado e pode desenvolver medo, pânico, depressão, ansiedade e outro tipo de transtornos. Ainda temos poucos movimentos no sentido contrário, pois fazer o bem não dá tanto ‘Ibope’, mas se a gente vê um desastre, algum crime, há essa tendência de as pessoas buscarem essas tragédias”, diz.
Carlos explica que, para entender determinados comportamentos do ser humano, é preciso fazer um mergulho na educação que a pessoa teve, pois isso é fator determinante para os comportamentos futuros. Por isso, é importante que os pais estejam atentos à maneira de educar seis filhos, permitindo que eles sintam medos, inseguranças e até frustrações, pois assim se tornarão adultos mais conscientes.
“Se formos fazer um mergulho na educação, os pais estão cada vez mais permissivos e colocam as crianças em uma redoma muito grande, onde elas não podem se sentir frustradas, inseguras e nem medo. Ou seja, eles protegem elas de todos os tipos de emoções, sensações e sentimentos. E no mundo interno, por não ser frustrada, a criança acredita que pode tudo diante das redes sociais. Por isso, é importante que os pais assumam suas responsabilidades, porque, de alguma forma, isso vai respingar no que estamos discutindo hoje. Fazer o bem é uma forma de aprendizado, muitas vezes, e na maioria das vezes, que aprendemos dentro das nossas casas. É aquela velha história: gentileza gera gentileza”, conclui Carlos Gonçalves.
A empresária e influenciadora Vanessa Severo, de 34 anos, sabe bem os efeitos que uma comunicação positiva e verdadeira pode gerar. Diariamente, ela compartilha com os seguidores a própria rotina, que passa pelo treino na academia e a ida ao trabalho, sempre precedidos pelo bom dia cheio de alegria e animação, um momento já esperado por todos que a seguem.
“Desde que eu comecei a expor minha rotina de mudança de hábitos, decidi que eu levaria ali o melhor de mim, não que eu não tenha problemas ou dificuldades, mas como sei que o outro não lida tão bem com isso, eu não seria mais uma gerando negatividade pro dia a dia das pessoas. Mostro minha rotina de trabalho, de treinos, leio textos motivacionais, passo minha mensagem de forma verdadeira e autêntica, sem mostrar uma perfeição que não existe e isso fez e faz com que as pessoas se conectem a mim e à minha história”, fala Vanessa.
Ela ressalta que, ao postar alguma coisa, sempre pensa no impacto que isso vai causar nas pessoas e no bem que uma simples mensagem pode gerar. Isso é o que a motiva, todos os dias, a dar o melhor que puder.

“O que me preocupa é justamente que as pessoas achem que eu sou perfeita e não só se inspirarem em mim, mas em querer ter a mesma vida que a minha e esquecerem de cuidar verdadeiramente de si. Mas como sempre tenho depoimentos de pessoas que esperam uma mensagem minha de bom dia, por exemplo, para se sentirem mais felizes, ou pessoas que lutam contra a depressão e ansiedade e que eu sou responsável pela melhoria dela... isso me motiva acordar e fazer o que faço todos os dias! Porque não é mais só sobre mim, é também sobre fazer o bem para outras pessoas”, diz.
Sobre o cancelamento, Vanessa conta que esse tipo de atitude fala muito sobre as pessoas que a praticam. Para ela, são pessoas que precisam cuidar da saúde mental antes de saírem julgando e agredindo virtualmente outros usuários das redes, simplesmente pelo fato deles pensarem ou agirem de maneira diferente.
“O cancelamento fala muito mais sobre as pessoas que o fazem, sobre os sentimentos que elas têm dentro de si. As redes sociais ganharam uma dimensão de utilização inesperada e incontrolável que, nem quem se expõe, nem quem apenas ‘olha’, estavam preparados para isso. Em geral, as pessoas não cuidam da sua saúde mental e preferem atacar as outras que agem de forma diferente. As críticas sempre existiram, mas as redes sociais se tornaram um depósito de críticas com ódio para as pessoas que não sabem lidar com as próprias frustrações. No fim, acredito que as pessoas deveriam cuidar muito mais da sua saúde mental para que isso não atingisse negativamente tantas pessoas”, completa.
A dica do psicólogo Carlos Gonçalves para quem usa as redes sociais é praticar a empatia e sempre se colocar no lugar do outro, o que, segundo ele, passa por um processo de autoconhecimento, de educação dentro de casa, dos valores, da ética e das responsabilidades que cada um carrega.
“A dica é sempre essa: prestar atenção e se colocar no lugar do outro. Se tivéssemos esse entendimento, as redes sociais e os processo de comunicação como um todo seriam mais leves, mais suaves”, conclui o especialista.