MENOS É MAIS
Busca por naturalidade leva mulheres a reverterem procedimentos estéticos faciais
Insatisfação com resultado e complicações provenientes do tratamento levam pacientes a voltarem atrás


A busca pela perfeição estética tem levado muitas pessoas a recorrerem a procedimentos faciais que prometem harmonizar traços e rejuvenescer a aparência. No entanto, essa mesma busca pode se tornar um problema quando ultrapassa os limites do equilíbrio e da naturalidade. A pressão social e a influência das redes sociais criam um ideal de beleza inatingível, incentivando intervenções cada vez mais frequentes. O resultado, muitas vezes, gera insatisfação, retira traços característicos das pessoas, que acabam não se reconhecendo mais diante do espelho.
Lábios muito volumosos, expressões congeladas e contornos artificiais geram um efeito contrário ao desejado, tirando a individualidade dos traços e criando um padrão genérico de beleza. Esse fenômeno tem levado muitas pessoas a repensarem suas escolhas e, em alguns casos, a buscarem formas de reverter os efeitos dos procedimentos estéticos.
O desejo agora é recuperar a naturalidade e voltar a se enxergar como antes, algo que nem sempre é simples ou possível. Além da questão estética, há também o impacto psicológico: perceber que se tornou alguém diferente do que se imaginava pode gerar crises de identidade e abalar a autoestima, o oposto do que se buscava inicialmente.
Até onde vai a busca pela beleza? Essa é uma pergunta que muitas pessoas têm feito ao perceberem que não há um fim definitivo nessa jornada. O ideal de perfeição promovido pelas redes sociais pode se tornar um fardo, levando a excessos que comprometem a própria essência. Encontrar o equilíbrio entre realçar os traços naturais e preservar a identidade tornou-se um desafio. E, para muitos, a resposta tem sido um caminho de volta, onde menos é mais e a aceitação da própria imagem se sobrepõe ao desejo de se encaixar em padrões irreais.

A aposentada Madeleine Alcântara, de 68 anos, percebeu, após a aplicação de botox na região frontal, glabela e pés de galinha, que o conceito dela de beleza não era compatível com o de muitas pessoa que vivem “se enchendo de produtos, modificando a aparência e perdendo a identidade”. Decidiu desfazer o procedimento depois de uma semana.
Ela conta que se sentiu motivada a fazer o botox quando percebeu a existência de rugas de expressão mais profundas no rosto. Com o objetivo de suavizá-las, procurou uma clínica para fazer o procedimento. O resultado, no entanto, não saiu conforme o esperado, e o que era para deixá-la mais feliz e confiante, acabou gerando uma chateação.
“Minha principal insatisfação com o procedimento foi não atingir o desejo esperado. Quando se faz um procedimento com botox, o resultado não acontece de imediato. Esperei uma semana e, após esse tempo, percebi que não era aquilo que eu queria, que imaginava. Fiquei chateada. As minhas pálpebras estavam muito levantadas! Isso me fez voltar à clínica para tentar a reversão”, conta Madeleine.
No entanto, ao chegar à clínica, a pessoa que fez o atendimento resolveu injetar um pouco mais de botox. “Aí foi o pior: fiquei com as pálpebras caídas. Nesse momento, não reconheci o meu olhar! As pessoas me perguntavam: dormiu muito hoje? Imagine! Fiquei muitíssimo impactada e incomodada”, destaca.
Em um outro retorno à clínica, ela foi submetida a algumas sessões em uma máquina, mas precisou exercer a paciência e esperar o efeito do botox sobre a pele acabar para recuperar a própria aparência e voltar a se reconhecer. E ficou a lição: a decisão sobre que procedimentos fazer deve ser do próprio paciente e não de quem está ofertando o serviço.
“Sabedora de que esses procedimentos com botox têm prazo de validade, não senti medo. Sabia que, com o tempo, iria recuperar a minha aparência, entretanto, precisei exercitar a minha paciência. Hoje eu me sinto mais amadurecida. Caso sinta a necessidade de utilizar esses serviços ligados à beleza, jamais deixarei por conta dos profissionais a decisão do que colocar no meu rosto ou corpo”, conclui.

De acordo com a médica dermatologista Mirela Borges, o procedimento estético facial mais procurado atualmente é o preenchimento com ácido hialurônico, que, em muitos casos, pode ser revertido, caso o paciente fique insatisfeito ou ocorra alguma complicação. Mas existem situações que podem ocasionar problemas permanentes, como quando o ácido hialurônico obstrui um vaso, podendo acarretar em cegueira, derrame ou até mesmo necrose com cicatriz permanente. “No entanto, as complicações mais comuns são as aplicações incorretas, levando por exemplo a bolsas nas olheiras”, completa a especialista.
Ela conta que, para reverter um procedimento com ácido hialurônico, é utilizada uma enzima que o derrete. Em alguns casos, a depender do produto e do local onde ele foi aplicado, não é possível retirar todo o material. “Normalmente, é mais de uma sessão, mas varia muito, e o processo é um pouco doloroso”, explica.
Os resultados da reversão dos procedimentos podem ser vistos de forma imediata, mas se a complicação for uma obstrução, há um risco grande de o procedimento não ser revertido, causando deformidades, como perda de parte do nariz. Também é possível agravar a flacidez da pele, algo que não pode ser previsto ou minimizado de forma prévia.
Em casos identificados como graves, é preciso que a reversão do procedimento seja feita de forma imediata. Já nos casos leves, o paciente pode esperar alguns dias para observar se o inchaço passa.
Mirela Borges destaca que a maioria dos casos em que as pessoas apresentam complicações ou buscam reversão por insatisfação com o resultado são provenientes de tratamentos realizados com profissionais não habilitados. Por isso, ela deixa a dica: “Sempre busque informações a respeito do profissional antes de realizar o procedimento, e muito cuidado com resultados milagrosos e valores muito baixos, eles podem estar relacionados com a qualidade do produto utilizado”, diz.

A nutricionista Alceny Pereira, de 59 anos, fez preenchimento labial há um ano e, uma semana depois, já queria desfazer. “Fui modelo em uma oficina estética e realizei alguns procedimentos, como preenchimento facial, estimulador de colágeno e o preenchimento labial, que foi sugestão do profissional”, conta.
Precisou recorrer à ajuda da própria filha, que trabalha com harmonização facial, e reverteu o procedimento. Desde então, preenchimento labial, nunca mais.
Alceny conta que, de alguma forma, as redes sociais acabam influenciando na busca por procedimentos estéticos. Além disso, há também a questão da idade, que chega sem avisar e traz com ela muitas mudanças. “De alguma forma, as redes sociais influenciam sim, pois sigo alguns profissionais da área que falam sobre o assunto. Tem também a idade, o que vemos diante do espelho, que também pesa muito”, conta.
Hoje, Alceny continua fazendo tratamentos estéticos, mas não mais nos lábios. O objetivo dela é sempre o de melhorar a autoestima. Ela também ressalta a importância de buscar referências na hora de escolher um profissional ou clínica para fazer esse tipo de procedimento.
“Fazer procedimentos para melhorar a aparência é válido e ajuda na autoestima, mas o profissional que irá realizar tem que ser criterioso, experiente e, acima de tudo, tem que planejar junto com você, desde o início até o resultado final”, conclui.

PADRÃO DE BELEZA E AUTOESTIMA
A psicóloga Ellen Quintela explica que o nosso referencial de beleza é construído, principalmente, por meio das influências externas. Ela diz que, atualmente, com as redes sociais e o avanço da tecnologia, todos têm, a cada dia, mais acesso a modelos de imagem e padrões. Estes modelos estabelecem, para boa parte da população, um padrão ou “moda” a ser seguida, inclusive com relação a mudanças feitas através de cirurgias e procedimentos estéticos.
“Através das redes sociais vão se estabelecendo padrões de comportamento e imagem a serem replicados por muitas pessoas. No entanto, ao mesmo tempo em que tais padrões são disseminados, as redes sociais não permitem a averiguação com relação à veracidade das imagens, que podem ser alteradas até mesmo por um ângulo que é utilizado, o que faz com que sejam disseminadas, literalmente, imagens irreais que se tornam objetivo de comparação e, desta forma, metas inalcançáveis”, afirma.
Ela pontua que, na hora de escolher um procedimento estético, é preciso considerar que eles mudam a imagem da pessoa, que faz parte da autoidentificação. Caso a decisão do procedimento estético seja tomada sem uma avaliação pessoal minuciosa ou mesmo produza resultados diferentes do esperado pelo paciente, ela corre o risco de despersonalizá-lo.
“Ou seja, criar uma imagem completamente diferente do que se imaginava, que faz com que o paciente não se reconheça mais. Na busca de se reencontrar, é comum buscar a reversão do procedimento”.
Não se reconhecer em sua própria imagem pode afetar diretamente a vida das pessoas, com quadros de isolamento social, impactos na autoestima e autoconceito, além de representar fator de risco ao desenvolvimento de transtornos depressivos, ansiosos, alimentares e obsessivos compulsivos.
Ellen diz também que os procedimentos estéticos, sem exageros, podem ser uma ferramenta para fortalecer a autoestima de indivíduos, haja vista que transformam a imagem corporal e facial para algo que o sujeito deseje mudar em sua imagem.
“O excesso, no entanto, pode ser um indicativo de uma autoestima, autoimagem e autoconceito enfraquecidos, sendo estes pontos importantes de serem trabalhados para além da imagem: reconstruindo a forma como se enxerga. Da mesma forma, este excesso pode contribuir para a despersonalização do sujeito, que ao não se enxergar na nova aparência para de se reconhecer”.