app-icon

Baixe o nosso app Gazeta de Alagoas de graça!

Baixar
Nº 5897
Opinião

Sofrimento e felicidade

MILTON HÊNIO * A profissão médica está relacionada com a dor e o sofrimento humano. Assistimos constantemente a cenas profundamente desagradáveis de tristeza, de sofrimento, quando um diagnóstico terrível é confirmado, como leucemia, tumores malignos, me

Por | Edição do dia 03/03/2002 - Matéria atualizada em 03/03/2002 às 00h00

MILTON HÊNIO * A profissão médica está relacionada com a dor e o sofrimento humano. Assistimos constantemente a cenas profundamente desagradáveis de tristeza, de sofrimento, quando um diagnóstico terrível é confirmado, como leucemia, tumores malignos, meningite e tantas outras doenças que tiram a paz dos familiares e do próprio doente. Será uma longa peregrinação de exames, remédios, cirurgias, noites de vigília e oração. O desânimo e a fé passam a andar juntos. No meu modo de ver, realmente, só há um jeito de vencer esse desânimo: não deixar de olhar para aquele que “passou fazendo bem a todos”, para aquele que “percorria cidades e aldeias curando toda doença e toda enfermidade”. Durante esses anos em que exerço a medicina, pude constatar que os familiares das crianças ou adultos meus amigos que sofreram graves doenças, passaram a ser mais solidários com os outros, passaram a dar maior felicidade aos que sofrem. É uma verdade: a experiência de dor deixa uma sensibilidade mais aberta, uma compreensão e inclina-ção para com os que sofrem. Os mais voltados para os pobres no sofrimento, por exemplo, são sempre os próprios pobres. Vemos isso na periferia das cidades, nas cidades pequenas do Interior. Lembrei-me, falando nesse aspecto, de uma história interessante: dois homens estavam gravemente doentes em uma enfermaria de um hospital. Um deles ficava sentado em sua cama por uma hora todas as tardes para conseguir drenar o líquido de um pulmão altamente infectado. Sua cama ficava próxima à única janela existente na enfermaria. O outro, com extensa queimadura nas costas, era obrigado a ficar deitado de bruços o tempo todo. Eles conversavam muito sobre seus familiares, sua juventude, sobre a vida de um modo geral. E toda tarde quando o homem ficava sentado para drenar o seu pulmão, olhava pela janela da enfermaria e descrevia para o companheiro queimado todas as coisas que podia ver adiante. O companheiro de enfermaria sofrendo as dores, esperava ansioso aquele momento para ouvir relatos tão agradáveis. Dessa forma o seu mundo era ampliado e animado pela descrição do seu companheiro de enfermaria. Ele dizia que da janela dava para ver um lindo parque com patos no lago, casais de namorados aos beijos no banco do parque, crianças brincando alegremente, um velho tocando violino a distância, pássaros em revoada pulando de galho em galho nas árvores. Essa descrição era feita em tom primoroso. Assim, dias e semanas passaram-se. Em uma manhã, quando a enfermeira chegou na enfermaria para o asseio matinal, o doente que ficava olhando pela janela todos os dias estava morto. Morreu pacificamente pela madrugada, sem ser notado, sem dar um gemido. Todos os seus companheiros sentiram bastante. Passado aquele momento de tristeza seu companheiro queimado pediu à enfermeira que colocasse a sua cama junto à janela para que ele pudesse apreciar a beleza da paisagem tão bem descrita pelo saudoso amigo. Com muito sacrifício, certo dia, conseguiu sentar-se e olhar pela janela. Ficou surpreso. Defronte havia apenas um extenso muro branco. “Como, perguntou ele a enfermeira, ele descrevia tanta coisa para mim?” E a enfermeira respondeu que aquele homem era cego e não podia ver nada. “Ele com certeza só queria fazê-lo feliz, aliviar seu sofrimento”, disse a enfermeira. Assim, vemos que há uma imensa alegria em fazer outras pessoas felizes, independentemente de nossa situação atual, mesmo estando em sofrimento. Dividir problemas é ter a metade deles aliviados. Felicidade quando é compartilhada tem o dobro de felicidade. Se você, meu caro leitor, quer se sentir rico, distribua momentos de felicidade com os outros e ganhe tudo aquilo que o dinheiro nem sempre pode comprar – alegria de viver. (*) É MÉDICO PEDIATRA

Mais matérias
desta edição