Leite das pedras
Uma reforma agrária às avessas pode estar em curso no sertão alagoano, segundo avaliação de empresários rurais da região. De acordo com levantamento realizado por diretores da Associação dos Agropecuaristas de Batalha, pelo menos 350 fazendas deverão ir
Por | Edição do dia 12/03/2002 - Matéria atualizada em 12/03/2002 às 00h00
Uma reforma agrária às avessas pode estar em curso no sertão alagoano, segundo avaliação de empresários rurais da região. De acordo com levantamento realizado por diretores da Associação dos Agropecuaristas de Batalha, pelo menos 350 fazendas deverão ir a leilão porque os seus proprietários não conseguiram acompanhar a cobrança dos empréstimos bancários contraídos para financiar a produção rural. A crise econômica brasileira, somada à abertura desenfreada do mercado leiteiro (invadido pelos concorrentes estrangeiros) mudou o perfil de uma das regiões mais promissoras do Nor-deste, a bacia leiteira alagoana. Essa é a constatação óbvia, ao se tomar conhecimento das denúncias dos produtores rurais da região. Apesar de estarem se desfazendo de pertences pessoais como jóias de família, os proprietários rurais da bacia leiteira alagoana não têm conseguido acompanhar a taxa de juros praticada pelo sistema bancário. O leilão da primeira das 350 fazendas arroladas como inadimplentes pode ser o início do fim de um sonho acalentado durante gerações de pequenos e médios empresários rurais. O quadro descrito por diretores da Associação dos Agropecuaristas de Batalha se assemelha ao retratado no romance Vinhas da Ira, clássico do americano John Steinbeck, onde através da ficção se testemunhou a grande tragédia real de milhares de famílias de agricultores norte-americanos atirados à fome por uma conjugação dos efeitos da grande depressão de 1929 e pela especulação financeira em torno das hipotecas rurais. Quase um século depois, no Brasil, unem-se os efeitos de uma crise econômica, a prática de juros usurários, o descaso político do governo federal para gerar um clima de tragédia para legiões de proprietários rurais que, imobilizados, assistem a uma verdadeira expropriação de seus patrimônios em nome da ausência de uma política de apoio efetiva a quem produz na adversidade. Que esperança pode restar aos 350 proprietários ameaçados pelo cutelo do governo federal?