Aperto e folga
MARCOS DAVI MELO * Entre as crises que se esboçaram, esta semana, duas (por mais distantes que pareçam estar uma da outra) se cruzam em um determinado momento. A primeira: o polêmico pronunciamento público de Lula sobre o Judiciário; a segunda: as mortes
Por | Edição do dia 26/04/2003 - Matéria atualizada em 26/04/2003 às 00h00
MARCOS DAVI MELO * Entre as crises que se esboçaram, esta semana, duas (por mais distantes que pareçam estar uma da outra) se cruzam em um determinado momento. A primeira: o polêmico pronunciamento público de Lula sobre o Judiciário; a segunda: as mortes nas salas de espera das UTIs do Ceará. O presidente denunciou a vigência de uma caixa-preta no Judiciário, jargão usado popularmente quando se presume existir uso perdulário ou manipulação de recursos para outros fins que não os perspícuos e prioritários. Aventou também a necessidade de existir um controle externo sobre este Poder. Imediatamente, os luminares do Poder Judiciário rebateram o pronunciamento. Intromissão inadequada de um poder sobre o outro, interesse não de ajudar, mas de prejudicar a magistratura, enfim, respostas rebatendo vigorosamente a manifestação presidencial, que inevitavelmente reflete uma opinião difundida na sociedade. Esta questão ressurge em um momento crucial, quando alguns juízes sucumbiram no exercício da função, vítimas de represálias do crime organizado ameaçado por suas ações. Aqui mesmo um respeitado juiz, comprometido com o combate à criminalidade, sofre ameaças a sua vida e a de sua família. Configura-se uma contradição: enquanto magistrados são ameaçados e perecem no exercício da nobre função de combater o crime organizado que transtorna a Nação, a mais alta autoridade do País e mesmo parte da opinião pública, aventam fortes suspeitas sobre a probidade deste Poder. Neste ponto, as duas crises de alguma forma se encontram. Não se discute a importância, o respeito e o espaço que o Judiciário deve e pode ocupar em uma democracia. Mas sim, a sua vocação para o uso perdulário dos recursos públicos. Apenas um exemplo: possivelmente, o custo anual do Tribunal de Justiça, supere em dobro o que se gasta com todos os hospitais do Estado no mesmo período. Reconheça-se, o uso perdulário dos recursos públicos não é um apanágio do Judiciário. É encontrado sem maiores dificuldades nos três poderes, onde em geral o controle de custos não é uma prioridade e em alguns setores não existe. As crises se cruzam quando pacientes morrem por falta de UTIs e de outros procedimentos médicos e as entidades não estatais, que muito se aprimoraram nos seus controles de custos (estudando-os, conhecendo-os e enxugando-os simplesmente para poder sobreviver) recusam atendimento por vil ser o pagamento do SUS, além de outras discriminações praticadas anteriormente pelos gestores. Está é uma questão inadiável. Avaliar o custo das ações que beneficiam a sociedade. Se o poder público é indispensável em diversas áreas, não se justifica por tal o seu custo ser astronômico. In limine, em outros setores, como a assistência médica, as entidades filantrópicas e mesmo algumas privadas, desempenham um papel tão eficiente quanto menos oneroso. Só o desconhecimento e o preconceito ideológico, entre outros, podem impedir que o usuário se beneficie de uma oferta de serviços que alie eficiência a custo muito mais baixo. (*) É MÉDICO