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Nº 5865
Opinião

Um nobel brasileiro

JOSÉ MEDEIROS * Ferreira Gullar, brasileiro, maranhense, poeta, escritor de nomeada, autor de uma dezena de livros de poesia, candidatou-se ao Prêmio Nobel de Literatura. Sua inscrição, patrocinada por um grupo de escritores, foi aceita pela Academia da

Por | Edição do dia 14/03/2002 - Matéria atualizada em 14/03/2002 às 00h00

JOSÉ MEDEIROS * Ferreira Gullar, brasileiro, maranhense, poeta, escritor de nomeada, autor de uma dezena de livros de poesia, candidatou-se ao Prêmio Nobel de Literatura. Sua inscrição, patrocinada por um grupo de escritores, foi aceita pela Academia da Suécia, com sede em Estocolmo. Há rigores para que se consiga essa inscrição: minucioso estudo da produção literária, tradução de livros para a língua sueca, inglesa, francesa e alemã, reconhecimento de entidades e academias. Há um bom tempo, Jorge Amado disputou essa honraria. Nosso precioso autor de “Dona Flor e seus Dois Maridos” tinha méritos para alcançar o prêmio. Mas a política que envolve o Nobel nem sempre é compreensível. Creio que é de Monteiro Lobato a expressão de que poeta não é somente aquele que faz versos, mas sim todo aquele que sente em si a poesia sutil das coisas. Ferreira Gullar talvez encarne esses dois papéis. No início de sua obra poética fez o gênero poesia-sentimento; logo depois enveredou pelo campo do realismo, retratando o cotidiano, sofrimentos, mazelas e agressões à vida humana. Desbravador de idéias e tendências, afirmou-se numa esteira poética conhecida como “vanguarda”, nos anos 60. Pessoalmente, considero-me um leitor assíduo de poesia. Muitas vezes, à noite, minhas fatigadas retinas ainda abrem espaço para uma rápida leitura de um livro de poesia. Tento avaliar a mensagem transmitida, busco sintonias com realidades e pensamentos. Grande avanço na linha poética foi o aparecimento de CDs de poesia. Os versos tomam a entonação que os autores lhes quiseram dar, que pretenderam imprimir no selo de suas emotividades. Vários países sul-americanos já patrocinaram candidaturas de seus expoentes a esse prêmio de literatura. Jorge Luiz Borges – escritor e poeta argentino – esteve próximo da vitória. Garcia Marquez, colombiano, alcançou essa cobiçada láurea. No âmbito da intelectualidade brasileira há indiferença em torno do assunto. Claro que são muitos os “drumonds” e as “cecílias”, igualmente merecedores. Nem por isso, justifica-se o alheamento. Recentemente, um poema de autoria de Gullar foi incluído na coletânea “Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século”. É denominado “não há vagas”. Vejamos um trecho: “O preço do feijão não cabe no poema. / O preço do arroz não cabe no poema. / Não cabem no poema o gás / a luz / o telefone / a sonegação do leite / da carne / do açúcar / do pão. / O funcionário público não cabe no poema / com seu salário de fome / sua vida fechada em arquivos. / Como não cabe no poema / com seu salário de fome / sua vida fechada em arquivos. / Como não cabe no poema / o operário / que esmerila seu dia de aço e carvão / nas oficinas escuras. / Porque o poema, senhores, está fechado: não há vagas./ Essa corrente literária à qual se filia Ferreira Gullar tenta a criação de linguagem própria, versos sem métrica, rima ou modelos. “Poemas se fazem com idéias e não com palavras” é o que dizem, projetados no “concreto” do dia-a-dia. Vamos torcer pela concessão de um Nobel de Literatura para um brasileiro. (*) É MÉDICO

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