Tempos de lutas
EDUARDO BOMFIM * Há algo de muito importante no seminário, O céu de Graciliano, e de resto em todo este projeto multifacetário O Chão de Graciliano - que tem como elemento inspirador a exposição sobre o mestre Graça. Porque tudo isto acontece exatame
Por | Edição do dia 30/05/2003 - Matéria atualizada em 30/05/2003 às 00h00
EDUARDO BOMFIM * Há algo de muito importante no seminário, O céu de Graciliano, e de resto em todo este projeto multifacetário O Chão de Graciliano - que tem como elemento inspirador a exposição sobre o mestre Graça. Porque tudo isto acontece exatamente na terra em que o extraordinário escritor recolheu as amostras principais que fundamentaram a sua obra. Mesmo em Memórias do Cárcere, muitos dos personagens são alagoanos. E, de resto, o seu olhar é de um nordestino, um sertanejo, um homem da Zona da Mata, de um provinciano de Maceió. O que estonteia é o fato que destas regionalidades ajuntadas, este cidadão construiu uma dimensão de espaço e tempo, um sentido universal. É importante para nós o privilégio de vivenciarmos estes momentos de reflexão através das palavras, dos gestos, das interpretações e das imagens deste belo projeto. Não devemos perder um detalhe, apurar o olhar. Ouvir atentamente as versões dos nossos pais ou avós, porque aqui há História real, inspiração, sofrimento, dignidade. Em cada particularidade, minúcia, existe um pouco de nós e da nossa cultura, em sentido antropológico e político. O que lemos da obra de Graciliano Ramos, quase que tem gosto e cheiro. Torna-se bem mais próxima, para nós, a universalidade deste imenso observador das almas e crítico social, porque ele partiu deste chão para a sua penosa e não menos notável caminhada. À exceção do seu grande poder artístico, o mestre Graça é um pouco de nós e somos um pouco dele. Saímos do ventre desta terra misteriosa, ao mesmo tempo sutil, doce e agressiva, cordial e traiçoeira, libertária e subjugada pelos poderosos. Portanto, ao lermos os escritos de Graciliano Ramos, buscamos ao mesmo tempo, entendermos um bocado ou pedaço de nós mesmos. Temos este privilégio ou esta sina, que não possuem os paulistas, só como exemplo. Apesar de que seus personagens tenham adquirido estatura em todos os continentes. Às vezes, tenho a impressão de que Graciliano, nesta exposição, encontra-se entre nós, observando-nos com o seu olhar inquiridor, implacável, incitando-nos ao inconformismo. Dizendo-nos que é preciso muito mais, e que o mais ainda não é a medida suficiente. De alguma forma, ele nos provoca, batendo-se contra todas as manifestações de conformismo: Sejam reais, mais autênticos, diretos, duros. Porque por mais paradoxal que nos pareça, é da pedra que surge a generosidade. Esta convivência, revivida, de um mês e alguns dias com o mestre Graciliano, deve ser para todos os alagoanos, um precioso momento de reflexão. Nós sabemos disso, sentimos isto. Bem mais que nossos outros irmãos brasileiros, ou de outras plagas mais longínquas. Como temos falado aqui, tantas vezes, em políticas públicas culturais, tratando-se em primeiro plano de resgatar a nossa identidade, a nossa auto-estima, através da rica e sofrida trajetória do povo alagoano, e em segundo lugar, zelando pelas nossas renovações, os novos valores da terra e do País, podemos afirmar que estamos trilhando esse caminho, de forma vitoriosa. Além disso, o projeto de incentivo às artes, Alagoas em Cena, representará a democratização da produção cultural, com a premiação e divulgação de novos e até mesmo já reconhecidos artistas de nossa terra. Um processo essencial de inclusão cultural. Outro passo nesse sentido foi o debate realizado ontem com o mundo cultural, quando foi discutida a minuta da lei estadual de incentivo à cultura, que atenderá a uma antiga reivindicação, preenchendo uma lacuna nas demandas locais. Sabemos muito bem, que construir uma política para a maioria, os condenados da terra, como disse o poeta, provoca urticárias em uma insignificante e ultrapassada minoria. Porque, estas, que viveram à sombra do regime militar, perseguindo os que faziam cultura, amargam os seus cem anos de solidão, exilados em sua própria terra. Não há que se ter ilusão. Esta é uma época de intensos combates no campo das idéias. Ótimo, porque, além de vitalidade democrática, é bem melhor que as mordaças de tempos recentes. Que todos assumam, sem subterfúgios, suas posições ideológicas. (*) é advogado