No t�nel do tempo
JOSÉ MEDEIROS* Quando se chega aos 50, 60 ou 70 anos é comum que em determinado momento se faça uma reflexão sobre o que foi feito, o que passou, o que se deixou de fazer. Uma retrospectiva do que aconteceu ao longo dessa caminhada. Muitos acham que ao a
Por | Edição do dia 24/07/2003 - Matéria atualizada em 24/07/2003 às 00h00
JOSÉ MEDEIROS* Quando se chega aos 50, 60 ou 70 anos é comum que em determinado momento se faça uma reflexão sobre o que foi feito, o que passou, o que se deixou de fazer. Uma retrospectiva do que aconteceu ao longo dessa caminhada. Muitos acham que ao atingir uma dessas idades tenha-se subido os degraus de altíssima escada, e lá, do topo, estendem a vista pelos muitos chãos pisados. Uma auto-avaliação, digamos assim. Reaviva-se a memória de tropeços, caseiras e dificuldades encontradas. Paralelamente, enxergam-se pontos marcados com o halo de dias felizes, pelas vitórias conquistadas. Afinal, a existência humana não é uma simples viagem através do reino da fantasia. Em algum lugar do passado localizam-se episódios que nos marcaram pelo sofrimento. Por vezes, como dizia Shakespeare, horas mais cruéis das quantas viram o tempo em sua lenta e eterna romaria. A impressão que se tem é que essas horas passam vagarosamente, demoradamente, numa eternização de angústias. Como dizia o poeta: quem passou pela vida em brancas nuvens e em plácido repouso adormeceu,/quem não foi homem/só passou pela vida, não viveu. No reverso dessa medalha e em sentido bem contrário há instantes de alegria e de bom humor, momentos de vitórias eletrizantes, confraternização e de inefável ternura; tão valiosos que vale a pena trancá-los num cofre e guardá-los com carinho. São sóis de nossas vidas, fontes de inspiração e de renovação espiritual. Psicologicamente, as horas de prazer passam rápidas, fugazes e apressadas. Nas idades mais avançadas, os acontecimentos mais recentes podem ser pouco lembrados, facilmente esquecidos e os mais antigos permanecem retidos na memória, recordados como se fossem cenas de cinema mudo. Parece até que o arquivo cerebral já se encontra saturado e rejeita novos registros. Segundo especialistas, trata-se de perda da capacidade de percepção bastante característica nos mais idosos. As folhas do calendário que já se foram são testemunhas de muitas emoções. Há um nicho especial e bem destacado para o nascimento dos filhos e netos. Aí, se inicia um universo paralelo com marcas bem nítidas. Segue-se uma convivência que tem sempre altos e baixos, porém, o amor recupera quase sempre possíveis decepções. Na era do computador, os mais velhos lutam para acompanhar o crescimento intelectual dos mais jovens que se desenvolvem no ritmo dos e-mails e do exagerado volume de informações. Esses adolescentes podem não saber o que está acontecendo na esquina próxima, mas sabem o que está ocorrendo nos pontos mais distantes do planeta. Concluída a digitação, minha neta lê o texto e sai-se com esta: voinho, esta crônica parece um discurso de formatura; e à moda antiga. Desculpo-me, alegando que se trata de sentimentalismo de mês de aniversário, um stop no degrau mais alto da montanha escalada. De lá, revejo os lances dos caminhos palmilhados. *É MÉDICO E EX-SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO E DE SAÚDE