Estabilidade
HUMBERTO MARTINS * A América do Sul, que foi palco, por décadas a fio, de constantes atentados à democracia, de sucessivos golpes de Estado, pelos mais lotes e (ou) torpes motivos, dá, de uns poucos anos até agora, lições de amadurecimento político-insti
Por | Edição do dia 29/07/2003 - Matéria atualizada em 29/07/2003 às 00h00
HUMBERTO MARTINS * A América do Sul, que foi palco, por décadas a fio, de constantes atentados à democracia, de sucessivos golpes de Estado, pelos mais lotes e (ou) torpes motivos, dá, de uns poucos anos até agora, lições de amadurecimento político-institucional que não podem passar sem registro. Em praticamente todas as nações desta parte do mundo, as instituições absorvem as crises e dão-lhes destino legal. Cite-se alguns exemplos: a Colômbia enfrenta, há duas décadas, pertinaz guerra civil, com seu território parcialmente ocupado por guerrilhas motivadas por questões políticas ou pelo narcotráfico. Mesmo nesse clima adverso, realiza eleições, empossa os eleitos, empregando constantemente dispositivos legais para enfrentar os períodos mais graves das crises. Na Venezuela, governo e oposição não se entendem. Em clima de ruptura, com a participação da Organização dos Estados Americanos (OEA), em especial do Brasil, foi possível controlar a situação. As desavenças continuam, mas, a essa altura dos acontecimentos, é possível prever que o desfecho da crise será a sucessão de eleições, quando governo e oposição terão oportunidade de provar com quem está realmente a maioria. Na Argentina, erros da política econômica do ex-presidente Carlos Menem levaram o país a uma situação insolvência que explodiu, com toda força, nos primeiros meses da administração Fernando De La Rua, presidente eleito pela oposição que foi forçado a renunciar no auge de uma revolta popular. Gradualmente, o Congresso elegeu um presidente provisório, que conduziu a Argentina à eleição, em segundo turno, de Néstor Kirchner. Embora nosso principal vizinho e parceiro econômico preferencial não tenha ainda assinado acordo com os organismos internacionais a que deve, são visíveis os sinais de recuperação. O novo salário mínimo é superior ao do Brasil equivalente a R$ 250 -, as aposentadorias das camadas mais pobres foram equiparadas a esse nível e, gradualmente, a atividade econômica vai se recuperando. Mais da metade dos argentinos, empurrada para debaixo da linha de pobreza, tem esperanças de que consiga retomar o ritmo normal de suas vidas, após o vendaval provocado pelo desespero, pela má-fé e pela incompetência de um grupo de políticos que faltou à confiança popular. Os mais jovens talvez não se recordem, mas até o início da década de 80, do século passado, problemas muito mais simples do que os vividos por Venezuela, Colômbia e Argentina, eram resolvidos com golpes militares que suspendiam, os direitos individuais por longos períodos. O ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, sintetiza perfeitamente esse novo clima: Ocorreu a transição mais ordenada dos últimos anos. Em 1989, havia hiperinflação. Em 1999, a economia apresentava uma queda forte de produção e desemprego recorde. Em 2001, houve o colapso da conversibilidade e do modelo econômico. Agora, o governo não precisa pensar em conter uma situação crítica, e parte de uma situação estável. No mais aceso da crise, poucos poderiam imaginar que a Argentina retomasse, em tão curto período, o caminho da normalidade. É mais ou menos o que acontece em toda a América do Sul. Uma histórica oportunidade de buscar, pela via democrática, as indispensáveis transformações sociais e econômicas de há tanto reclamadas. É a prevalência do Estado de Direito materializada através da estabilidade política. (*) É DESEMBARGADOR DO TJ/AL