A besta-fera
LUIZ GONZAGA BARROSO FILHO * Quem nunca ouviu falar de mitos como o lobisomem, a mula-sem-cabeça, o saci-pererê, a serpente encantada, o boto e a caipora? Eles são personagens fantasmagóricos da literatura oral, tão assombrosos quanto as estórias (lendas
Por | Edição do dia 21/08/2003 - Matéria atualizada em 21/08/2003 às 00h00
LUIZ GONZAGA BARROSO FILHO * Quem nunca ouviu falar de mitos como o lobisomem, a mula-sem-cabeça, o saci-pererê, a serpente encantada, o boto e a caipora? Eles são personagens fantasmagóricos da literatura oral, tão assombrosos quanto as estórias (lendas) que os envolvem, são igualmente assustadoras a popularidade e o fascínio de cada um deles. Os mitos que compõem o universo do Folclore são seres criados pela imaginação popular, essas características não os afastam de um convívio permanente e respeitoso com as pessoas que crêem nos seus poderes, o que revela a importância dessas entidades, não só no universo folclórico. Para os pesquisadores, tem sido uma tarefa difícil precisar a origem da maioria dos seres míticos, mesmo porque eles correm o mundo, sem uma fixação geográfica, permitindo, assim, que as fantasias próprias dos mortais estejam sempre produzindo novas versões, inclusive, atribuindo-lhes outras identidades, em diferentes regiões. Em Alagoas reside um desses mitos que atende pelo nome de besta-fera, cuja descrição predominante é a seguinte: mulher velha, feia, negra, magra, alta, cabelos crespos e despenteados, que traja um vestido de estopa esfarrapada, te, unhas grandes e sujas, carrega uma mochila na cabeça e uma foice enorme nas costas (perfil semelhante ao de outros mitos conhecidos no Brasil). Aqui, o povo costuma estabelecer uma relação desse mito com a besta do Apocalipse encontrada na Bíblia, que apresenta a tal figura como símbolo da maldade e da destruição. Por isso, quando alguém se encontra enraivecido ou pratica uma ação hedionda, se diz que está com a besta-fera. Uma questão curiosa é a que diz respeito ao contato com essas entidades, uma vez que pessoas merecedoras de crédito afirmam que viram ou já foram importunadas por elas, de alguma maneira. No caso da besta-fera, sua aparição só ocorre quando alguém pragueja ou invoca seu nome, conforme aconteceu com Josefa Carlos Barbosa, residente na Rua do Varadouro, na cidade de Porto Calvo. De acordo com seu relato, num fim da tarde, no ano de 1943, foi surpreendida pela presença da besta-fera no quintal de sua casa, quando recolhia roupas estendidas no varal e, por descuido, deixou algumas peças cair no chão, sujando-as. Indignada esbravejou: - Isso só pode ser coisa da besta-fera! De repente, a figura medonha apareceu na sua frente. Assustada, Josefa, correu para o interior da casa, caindo desmaiada ao chegar à cozinha. Ela jura que foi verdade. Inúmeros são os registros de casos semelhantes ao narrado, ou com alguma variante, como o ocorrido em Pindoba, no ano de 1930. Contam que um fazendeiro comprou um automóvel, ano 1929, e ao estacioná-lo no centro da cidade, um grupo de moradores que, até então, não sabia o que era um veículo motorizado, ficou assombrado, comentando que aquilo era a besta-fera, e, começou a depredá-lo, acreditando que estava destruindo a figura maligna. Em seguida, os manifestantes passaram a perseguir seu proprietário, pois achavam que o fazendeiro representava a alma do bicho. A propósito, convém lembrar a assertiva do admirável Luís da Câmara Cascudo: Todos os folclores possuem essa sinistra galeria de assombros. São mosaicos cujos embutidos trazem as cores dos métodos humanos e primitivos. Afinal, não se deve brincar com essas coisas! (*) É ADVOGADO E MEMBRO DA COMISSÃO ALAGOANA DE FOLCLORE.