Dia da sa�de
MARCOS DAVI MELO * A humilde senhora irrompeu no consultório desesperadíssima. Angustiada pela delicada situação do irmão que ficara em casa e para o qual pleiteava um internamento imediato pelo SUS. Como outros, o indigitado paciente, anteriormente, sub
Por | Edição do dia 05/04/2002 - Matéria atualizada em 05/04/2002 às 00h00
MARCOS DAVI MELO * A humilde senhora irrompeu no consultório desesperadíssima. Angustiada pela delicada situação do irmão que ficara em casa e para o qual pleiteava um internamento imediato pelo SUS. Como outros, o indigitado paciente, anteriormente, submetera-se a todos os tratamentos para um caso avançado de câncer e, como era de se esperar, apesar dos esforços, a enfermidade não tinha sido vencida. No dia anterior, recebera outros pacientes em condições semelhantes, mais ainda virgens de tratamento. Igualmente necessitados de internamentos, não só pelas suas enfermidades, mas por serem moradores de municípios distantes no interior do Estado. Para todos eles as dificuldades de internamento imediato são corriqueiramente freqüentes. Diante de uma escolha de Sofia, a cada dia mais recorrente e desgastante, o profissional é obrigado a fazer uma opção indigesta. Dos inúmeros necessitados por um internamento hospi-talar que não pode ser procrastinado e diante das restrições do Sistema para concretizá-los, apenas os pacientes que ainda não fizeram os tratamentos específicos e, portanto, têm a sua chance de controlar a doença ao final do processo, que pode demorar mais que o aceitável, conseguem a sua vaga. O reinternamento dos terminais é dificílimo. Para o médico envolvido em semelhante situação e espremido entre a pressão dos pacientes e familiares e as questões profissionais e éticas, por mais que as tendências universais sejam pela manutenção dos enfermos terminais em domicílio, estes momentos são de indescritível dificuldade. Quando é obrigado a dizer esta dura realidade para o paciente e familiares, mormente se carente isto inevitavelmente é mal aceito e extremamente doloroso para todos. O que aguarda estes pacientes já tratados, retratados e desenganados? A rejeição de todos, inclusive em muitos casos, das famílias esgotadas emocional e financeiramente? A Holanda esta semana reconheceu o direito dos enfermos graves, com qualidade de vida desprezível e sem possibilidade de cura, se assim o quiserem, conscientemente, optarem pela eutanásia, desde que cumpridas determinadas e rígidas formalidades médico-legais. É um assunto eivado de preconceitos e tabus que precisa, como outros igualmente delicados, ser visto à luz da ciência e do humanitarismo verdadeiro, sem demagogia, sem preconceitos e sem conservadorismo rançoso. Reconhecendo ab initium que a eutanásia não é uma prioridade nas tantas questões irresolvidas da saúde entre nós, mas que se impõe pela atualidade e pela oportunidade de abrir a discussão para temas que o precedem como as restrições aos internamentos pelo SUS, a ausência de uma política direcionada à assistência domiciliar aos enfermos graves de baixa renda e tantas e tantas outras deficiências do sistema, que podem sim, ser minimizadas, com algumas medidas, entre outras, mais política de saúde e menos política na saúde. O Dia Mundial da Saúde entre nós, que convivemos com a crudelíssima realidade do setor e com uma ameaça de epidemia de dengue do tipo III, não pode ser motivo de celebrações inconseqüentes, mas de reflexões desapaixonadas. Sempre é possível se melhorar alguma coisa. É necessário ter a cabeça aberta, boa vontade, bom senso e espírito público verdadeiro. Sem demagogia, sem preconceitos e sem engajamento político partidário, preferencialmente. (*) É MÉDICO