Opinião
A vers�o de Graciliano

EDUARDO BOMFIM (*) Lendo o livro Alexandre e outros heróis, de Graciliano Ramos, deparo-me, além da maestria do escritor, com seus textos enxutos, diretos, implacáveis, com uma versão absolutamente inusitada do autor sobre Antônio Conselheiro, o líder de Canudos. Não me causou assombro, dada a personalidade do Mestre Graça. O fato é que contrariando a esmagadora maioria dos escritos sobre o assunto, Graciliano transforma o que se considera a epopéia da resistência de Canudos em uma tragédia grotesca. O autor de Vidas Secas, Memórias do Cárcere, São Bernardo e outros livros, considerava o personagem principal do fato histórico um louco e meio analfabeto, que apareceu no sertão da Bahia dizendo coisas desconexas e facilmente reuniu uma considerável multidão de sujeitos mais analfabetos que ele e menos loucos. Tudo isto na página introdutória sobre o assunto. A de número 165 do livro citado. Ironizou o então arcebispo da Bahia que, alarmado com a concorrência que o idiota fazia à religião verdadeira, denunciou Antônio Conselheiro ao presidente da província, que desejou meter o homem num hospício de alienados. Infelizmente não havia lugar no asilo. Pasmem, são palavras textuais do autor. Mais ainda, escreveu que o líder religioso e de massas andava a pregar idéias subversivas e anunciando o fim do mundo para 1900. Mas que antes do fim do mundo, porém, veio a República que descobriu no homem um monarquista perigoso (o que efetivamente o era, a sua maneira tosca). Opinião literal de Graciliano Ramos. Daí em diante inverte o seu sarcasmo de sintonia fina para o exército republicano. As derrotas consecutivas das expedições enviadas para derrotar Canudos, que eram consideradas vitórias temporárias transformaram-se em blefe puro. Em relação à expedição comandada pelo tenente Manoel Ferreira, afirma que esta foi fragorosamente derrotada pelos resistentes de Canudos, abandonou armas e munições, deixou que a tropa debandasse e na Bahia declarou que tinha tido uma vitória. Essa estranha vitória aumentou o prestígio de Conselheiro. São palavras textuais de Graciliano. A segunda expedição sob o comando do major Febrônio de Brito também foi obrigada a retroceder diante da valentia dos combatentes do Arraial e das armas conquistadas durante a vitória do tenente Manoel Ferreira. A tal da estranha vitória já referida. Já na terceira expedição comandada pelo coronel Moreira, adiada porque o coronel teve um ataque epiléptico, a tropa foi esmagada. Houve pânico, Moreira César morreu e o coronel Tamarindo, seu substituto, também teve o mesmo fim. A quarta expedição perdeu novecentos e quarenta e sete homens. Em agosto chegou à Bahia o ministro da Guerra, marechal Bittencourt, dirigindo numerosa expedição, e arrasou Canudos. Trezentos fanáticos inúteis, velhos, mulheres e crianças renderam-se. Dos combatentes nenhum foi preso: morreram todos. Transcrevo o que narrou o escritor. Não era um cientista político, historiador, sociólogo ou acadêmico de área semelhante. Um observador arguto e corajoso, ele era, para escrever semelhante ponto de vista sobre Canudos e de resto, toda a sua obra. Neste ensaio desagrada aos defensores da epopéia de Canudos e ao mesmo tempo ridiculariza as forças legais que lutaram contra o Arraial. Ou seja, não agrada ninguém. Mas assim foi Graciliano durante toda a sua existência. Há um pequeno texto de sua autoria que talvez faça com que o compreendamos. Diz ele lá no final: A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. O ponto de vista de Graciliano Ramos sobre o episódio de Canudos, talvez seja único, solitário. E lido, ontem como hoje, deve mais uma vez desagradar os dois lados que o interpretam ou estudam. Que fazer, o mestre Graça dizia o que achava e achava o que dizia. (*) É SECRETÁRIO DE CULTURA DE ALAGOAS