Opinião
A revolu��o da garrafa

| Marcos Davi Melo * Ontem, dia 14 de julho se celebrou a Revolução Francesa, que em seu corolário maior, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão teceu aquilo que seria o ideário maior da humanidade: liberdade, igualdade e fraternidade. Roger Dion, professor do College de France, em sua obra Histoire de la vigne et du Vin em France acredita ter sido o vinho um dos fatores que desencadearam os acontecimentos que culminaram na Revolução. Como tantas cidades medievais, Paris era cercada por uma muralha fortificada, com portas para o acesso dos viajantes, essas eram verdadeiras barreiras fiscais. O crescimento urbano fazia com que regularmente os muros tivessem de se afastar do centro. Com apenas algumas portas de entrada ficava fácil às autoridades controlar e cobrar os impostos. Era a alfândega da época. Desde Francisco I, os tributos do vinho eram pagos por volume, pagando um tonel de vinho ordinário o mesmo que um tonel de um grande vinho da Borgonha, o que punia os vinhateiros e comerciantes de vinhos ordinários, a grande maioria. Na década de 1780, a muralha parisiense de Luis XIV, situada na periferia da cidade era fraudada pela presença dos faubourgs, pequenos centros fora dos muros onde tavernas vendiam vinho ordinário e barato, mas sem tributação. O Tesouro real, no início de 1789, sequioso por dinheiro para manter os privilégios da nobreza de Versalhes e do clero, resolveu substituir a muralha por outra que incluía as tavernas em seu interior, tributando-as duramente. Isso provocou a cólera dos bebedores sedentos, vinhateiros e produtores-fraudadores do vinho barato que se vendia nas tavernas. A revolta explodiu no dia 10 de julho de 1789, quando hordas de bebedores exaltados, desocupados e marginais, açulados pelos taberneiros, mercadores e vinhateiros-falsários, juntaram-se aos contingentes girondinos, aos patriotas de Camille Desmoulins e arrebentaram a porta de Trône que levava à Bastilha. Idealistas, patriotas, marginais e bêbados, eram todos sans culottes, sacrificados pelo Anciem Regime em suas liberdades, seus direitos, seu bolso e sua sede. A tomada da Bastilha influenciou decisivamente a vinicultura francesa. Grande parte dos vinhedos que pertencia à nobreza e ao clero tornou-se patrimônio do Estado que mais adiante os fracionou e os repassou a gente do ramo, ligada a terra. O bom vinho teve, tem e sempre terá o seu destino ligado intrinsecamente ao cultivo racional da terra e por que não aos ideais de Fraternidade, Igualdade e Liberdade. (*) É médico e professor da Uncisal.