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O bizarro na medicina .

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O progresso científico é necessariamente um processo descontínuo, em que avanços se alternam com períodos de estagnação ou até retrocessos. A história da medicina é um exemplo. Durante muito tempo predominou, na Antiguidade, a visão mágico-religiosa, segundo a qual doença era resultado de castigo dos deuses, de maldições ou de feitiçaria. Assim, a epilepsia era chamada ‘doença sagrada’: seria a manifestação da posse do corpo por divindades. Mas, então, na Grécia clássica, surgem Hipócrates e seus discípulos, sustentando que as enfermidades tinham causas puramente naturais, ligadas ao modo de vida, à alimentação e ao meio ambiente.

Galeno, no século 2, incorporou o legado de Hipócrates ao império Romano, que minado pela corrupção e pela pobreza de grande parte de uma oprimida população e assediado pelos povos bárbaros, entrou em declínio.

Nesse processo, aliás, as doenças desempenharam um papel significativo: malária, peste e varíola dizimavam populações e tropas. Contra essas doenças os médicos de então muito pouco podiam fazer.

A queda de Roma marca o começo da Idade Média. O cristianismo, perseguido no império, será a religião da maioria da população. Aos pobres, aos deserdados, aos servos, aos aflitos, aos doentes, oferecia uma explicação para as pestilências e o conforto espiritual necessário em época de tanto sofrimento. O cristianismo tinha a sua própria concepção sobre a doença; ela era resultado do pecado. Exemplo: a lepra, na qual estava implícita a maldição bíblica. Diz o Levítico, livro do Antigo Testamento: “Quem quer que tenha lepra será pronunciado impuro e deverá morar sozinho”. Diagnosticado, o leproso era considerado morto. Rezava-se missa de corpo presente e era condenado a vagar pelas estradas, usando roupas características e uma matraca para advertir os outros de sua contagiosa doença.

As epidemias eram consideradas um castigo divino para os pecados do mundo. Mas sendo um castigo, a doença podia funcionar como penitência e absolvição; uma vida virtuosa levaria então à cura resultante da graça divina. Ou seja: a religião proporcionava um sentido para o sofrimento. Quando, em 251, a peste assolou Cartago, o bispo Cipriano consolou os cristãos: ‘morrer significava ser libertado desse mundo’.

Quanto às medidas higiênicas, existia franca hostilidade. São Jerônimo avisava que aqueles cuja pele mostrava-se áspera pela falta de banho não precisava banhar-se, pois se lavou no sangue de Cristo. Um centro da ciência médica atual, os EUA arriscam-se a sofrer grande retrocesso: o indicado para assumir a pasta da Saúde, Robert J. Kennedy Jr, é não só um negacionista, como um militante antivacinas e contrário às medidas higiênicas, como o uso de máscaras e o recolhimento social nas epidemias. Em um país no qual a virose H5N1 avança e que se afastou da OMS, o bizarro retrocesso cheira à Idade Média.

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