Polícia
Advogada diz que Beira-Mar � bode expiat�rio

CAÍQUE MARQUEZ A advogada Cecília Machado, que defende o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, revelou que não se importa com a origem do dinheiro do seu cliente. Cecília afirmou que nunca perguntou para ele se é paga com dinheiro do tráfico, mas disse que, independente da procedência de seus honorários, o importante é estar recebendo por seu trabalho, que, segundo ela, é intenso e desgastante. A advogada revelou detalhes de seu trabalho e afirmou que não tem medo de morrer. No momento em que o país abre uma discussão ética em torno da presença de advogados nas prisões - alguns deles presos por serviço de pombo-correio - a advogada do mais famoso criminoso do país não vê nada de antiético em defendê-lo. Ela diz que Beira-Mar é apenas um bode expiatório, fruto da mídia. Ele não é nem 50% do que dizem. Fernando é uma pessoa justa e jamais faria mal a uma pessoa inocente, ressalta. Em entrevista à GAZETA DE ALAGOAS, Cecília fala de seu relacionamento com o traficante e por que aceitou defendê-lo. /// Como é ser advogada de alguém tido como um dos bandidos mais perigosos da América Latina? Eu o encaro como qualquer outro cliente meu. Todo preso tem direito à defesa e eu só faço o meu trabalho. Você não se sente incomodada com a desaprovação da sociedade, por estar defendendo um bandido que as pessoas abominam? Ele não é 50% do que a mídia tenta passar. Se for feita uma investigação a fundo, vão saber que ele não é nem metade do que dizem. Você acha que Fernandinho Beira-Mar é fruto da mídia? Claro. Quantos bandidos do colarinho branco há no País? Qual a diferença de um político corrupto e um traficante? Nenhuma. São bandidos da mesma forma. O que a motivou a aceitar defender Beira-Mar? Fama ou dinheiro? Um pouco de tudo. É um desafio pegar um caso dessa dimensão, mas se paga muito caro por essa fama. Qual o preço da fama? Calúnias, injúrias e difamação. Desde quando vem sua relação com Beira-Mar? Você é advogada dele há quanto tempo? Vai fazer dois anos este mês. Quando ele chegou em Brasília, vindo da Colômbia, trazido pela Polícia Federal, ele me contratou. Trabalho para ele desde abril de 2001. O que você está achando de Fernandinho Beira-Mar ter sido transferido para Maceió? Acho que quem tem que arcar com a custódia do Fernando é o Rio de Janeiro. O povo e o governo de Alagoas não têm nada a ver com a custódia dele. O lugar dele é o Rio e não Maceió. Você tem medo de ser a próxima vítima de Luiz Fernando da Costa? As pessoas não têm idéia de como o Fernando é. Ele não é agressivo. É uma pessoa tranqüila, calma. É justo e correto em relação aos seus advogados e sua família. Ele sabe que eu estou aqui para defendê-lo e não para causar problemas a ele. Eu não sei nada da vida pessoal do Fernando. Sei o trabalho que faço para ele, juridicamente. Não tenho medo nenhum do Fernando porque ele não é essa pessoa que dizem que ele é. Quantos advogados defendem Fernandinho Beira-Mar? Além de mim existem mais quatro profissionais: Doutor Lídio, doutora Carla, doutor Lustosa, eu e a doutora Patrícia. Quem paga vocês? Nunca perguntei para ele e nem para nenhum outro cliente meu de onde vem o dinheiro dos meus honorários. Trabalho e recebo meu salário. Não pergunto de onde vem o dinheiro. Mas quem repassa o dinheiro para vocês, já que ele está preso? O dinheiro chega até as minhas mãos. Não sei como. Você reconhece que é um dinheiro que vem do tráfico? Eu não sei. Nunca perguntei a ele se sou paga com dinheiro do tráfico. Nem a ele e nem a ninguém. Eu apenas recebo meus honorários. Não me preocupo em saber a origem desse dinheiro. Não me incomodo com essas coisas, pois eu sou profissional. Estou trabalhando para isso. Trabalho muito. É cansativo e desgastante. Só recebo pelo meu trabalho. Não me interessa de onde vem o dinheiro. Mas se Fernandinho Beira-Mar é traficante, o dinheiro só pode vir do tráfico... Já falaram até que a Receita Federal vai vasculhar minha vida. Pode investigar. Não tenho enriquecimento ilegal nenhum. Pago meus impostos em dia. Você tem tido contato com Beira-Mar em Maceió. Como é a cela dele e como ele está? Não tenho acesso à cela. Ele está abatido, magro e triste. Ele não está satisfeito em estar em Maceió? Não. Ele queria estar em seu Estado de origem. Fernando é nascido e criado no Rio de Janeiro. O crime dele foi cometido no Rio e toda sua família está lá. Quando tiraram ele de lá, através do acordo feito entre a governadora Rosinha Garotinho, o ministro Márcio Thomaz e o coronel Josias, era para ele ficar afastado durante 30 dias, até o carnaval terminar. Depois a governadora não quis aceitá-lo mais. Então começou esse joga para lá e joga para cá. Aí ele veio parar aqui. Você está lutando para que ele volte para o Rio de Janeiro? Claro. Estamos com um mandado de segurança no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), pedindo a volta dele ao Rio. Como você justifica o fato de Fernandinho Beira-Mar ter saído do Estado carioca porque ele comandava, de dentro do presídio Bangu I, o crime organizado. Lá ele tinha todas as regalias, como telefone celular e até direito à pizza? Pizza nunca existiu. Não adianta afastar o Fernando do Rio. Quantos bandidos existem? A violência continua no Rio, mesmo ele estando do outro lado do Brasil. O problema é social. Não é tirando o Fernando do Rio que a violência vai acabar. Ele sozinho não faz milagre. Não se trata do super-homem. Ele tem que cumprir a pena dele, mas no seu Estado de origem. A Polícia Federal chegou a investigar os advogados de Luiz Fernando da Costa como supostas pessoas que colocaram celular para ele dentro do presídio. Isso já aconteceu? Isso é um absurdo. Vou citar Bangu I. Quando o advogado chega lá, passa por dois detetores de metais. Enquanto a máquina não parar de apitar você não entra. Bolsa fica do lado de fora. Só pode entrar com cópias de petições e eles olham tudo. Depois que passa essa fase tem outro local com mais um detetor de metal. O contato com o preso é através de um vidro blindado. Tem uma rodinha de ferro e a gente tem que falar por ali. Na Polícia Federal a conversa é feita por interfone. Nunca estive frente a frente com o Fernando, exceto em audiências. Quem poderia ter levado telefone celular para ele? Eu não fui. Isso é um problema do presídio. Nenhum advogado chega até ele. Todo o contato é feito através de vidro. Só pode ser a polícia, que é a única autorizada a entrar. Cabe às autoridades investigar quem está dando celular aos presos. Você acha possível Fernandinho Beira-Mar continuar comandando o crime organizado, enquanto está em Alagoas? Não. De forma alguma. Você acha que a presença de Luiz Fernando da Costa em Maceió muda a rotina do alagoano? Para a população, não. A única coisa que altera é o número de policiais que estão sendo trazidos de fora para fazer a segurança da Polícia Federal. A sociedade pode ficar tranqüila porque não vai haver quadrilha do Fernando aqui. Ele está aqui por acaso e não vai trazer ninguém para cá. A única coisa que ele quer é cumprir a pena dele no Rio de Janeiro. Está na imprensa que um traficante inimigo de Beira-Mar está oferecendo 3 milhões de dólares para quem matá-lo. Isso te preocupa? Sim. Soube que existe uma gravação na Polícia Federal, que mostra um traficante, conhecido por Leonardo, oferecendo essa quantia para quem assassinar o Fernando. Acredito que na sede da Polícia Federal, aqui em Alagoas, não haverá problema, pois tudo é muito organizado. Fernandinho Beira-Mar tem medo de morrer? Tem. Se ele voltar para o presídio Bangu I, no Rio de Janeiro, ele não vai continuar comandando o crime? Não sei. Isso é um problema das autoridades locais. Não é nosso. Só cuido da parte jurídica dele. Existe a possibilidade do Luiz Fernando ficar mais de 40 dias em Alagoas? Não sei. Não tenho acesso ao processo de negociação de transferência dele. Não sei o que o governo federal quer fazer e qual será o destino dele. Se forem corretos, o encaminharão de volta para o Rio, que tem a obrigação de arcar com a custódia dele. Fernandinho Beira-Mar tem filhos? Sim, 11. Seis dele e cinco adotados. Todos estudam e têm uma vida normal. Ele jamais mexeria com uma mãe de família e com crianças. Nunca ele iria querer prejudicar um inocente. Quanto tempo é a pena dele? 33 anos. Existe a possibilidade de redução disso? Agora não. Só mais para frente. Por que você se irritou quando um jornalista perguntou sobre o fato de você estar andando em um jeep que custa US$ 80 mil? Isso é tão absurdo. Para começar aquele carro não é meu. É do meu marido. Ele financiou. Não custa 80 mil dólares. Custa 38 mil reais. Ele é 98. O carro que eu tenho custa R$ 22 mil. Em oito anos de profissão eu não posso ter um carro de R$ 22 mil? Mudou alguma coisa na sua vida, após você ter aceito a causa de Beira-Mar? Não. Minha clientela continua a mesma de sempre. Minha vida é muito corrida. Tenho uma irmã que também é minha sócia e pega as causas que eu não posso pegar. A única mudança foi a experiência. Eu tive que estudar muito para defender Luiz Fernando da Costa. Em algum momento você se sentiu amedrontada? Não. Em nenhum momento Beira-Mar te assusta? Ele não me assusta em nada. Você tem medo de morrer? Não. Nem de ser vítima de atentado por parte de rivais de Beira-Mar? Não. Os rivais também possuem advogados e não gostariam que a outra facção fizesse alguma coisa contra esses profissionais. Eles sabem que estou trabalhando, não estou fazendo nada ilegal, não estou contra eles e nem a favor. Sou neutra. Só faço o meu trabalho. Beira-Mar tem alguma ligação com o assassinato dos dois juízes de São Paulo e Espírito Santo? Não. Fizeram acusações infundadas em relação ao Fernando. Todas as autoridades afirmaram que o Fernando foi o mandante do crime, inclusive a OAB de São Paulo. Foi vergonhoso para o Estado, o secretário de Segurança Pública de São Paulo ter que desmentir para a imprensa que o Fernando não tem nada a ver com isso. Todo o crime que acontece hoje no Brasil é atribuído ao Luiz Fernando da Costa. Ele é um bode expiatório. Existe gente grande por trás de Fernandinho Beira-Mar? Não. Algum político? Não. E membros da própria polícia? Ninguém. Luiz Fernando da Costa conversa com você sobre os crimes que cometeu? Ele deixa claro que errou. Foi julgado e condenado e a única coisa que ele quer é ter o direito de cumprir sua pena próximo à família. Se Fernandinho Beira-Mar pudesse estar aqui em seu lugar, qual seria o recado que ele passaria para a população? Que ele é um bode expiatório. Isso foi uma frase que ele me disse, ontem. Nem na época da ditadura ninguém perseguiu uma pessoa como perseguem ele.