DECRETO QUE TAPA ROMBO FISCAL COM DINHEIRO DE EMPRESAS CAI
Iniciativa do governo Renan Filho não resiste à pressão de empresários e é revogada em 1º de abril
Por thiago gomes | Edição do dia 18/04/2020 - Matéria atualizada em 18/04/2020 às 06h00
Em época de pandemia, quando muitos sacrificam a própria pele para salvar a humanidade, uma ideia do Palácio República dos Palmares poderia reduzir a prática injusta de se conceder vantagens para uns em detrimento do sofrimento de outros. Mas um decreto tipo “Robin Hood”, publicado pelo governo do Estado no primeiro dia do mês, não passou de um “primeiro de abril”.
O governador Renan Filho (MDB) quis ressuscitar o Fundo de Equilíbrio Fiscal (FEFAL) do Estado, obrigando as grandes fábricas instaladas no território alagoano a fazerem jus aos inúmeros benefícios fiscais que receberam e, por justiça, pagarem um tributo mensal, mas a intenção parece ter sido sepultada, por pressão, como avaliam personagens ouvidos pela Gazeta, e não passou do 1º de abril (Dia da Mentira). A data é evidenciada porque foi justamente neste dia que o governo publicou o Decreto nº 69.591, regulamentando a Lei Estadual nº 8.235/2020, aprovada na Assembleia Legislativa Estadual (ALE), em dezembro do ano passado, que criava a reserva de capital. Estranhamente, um dia após, o Diário Oficial do Estado traz um novo decreto do governador revogando a medida. O FEFAL foi instituído, inicialmente, pela Lei nº 7.835/2016, sendo regulamentado pelo Decreto nº 52.677/2017, com prazo de validade de dois anos (vigência a partir de 1º de julho de 2017 a 30 de junho de 2019. Com o período encerrado, o Estado preparou um novo projeto de lei e enviou à ALE com o mesmo propósito. A finalidade era “viabilizar a manutenção do equilíbrio das finanças públicas estaduais e de realizar investimentos de infraestrutura nas áreas de indústria, comércio, turismo, agropecuária e outras áreas necessárias ao desenvolvimento econômico do Estado de Alagoas”, conforme estava descrito nas disposições gerais. A meta do governo era constituir o FEFAL com recursos provenientes dos depósitos de contribuintes com incentivos ou benefícios fiscais, financeiro-fiscais, financeiros e/ou regimes de apuração, que resultem em redução do valor do ICMS a ser pago. O valor a ser depositado era equivalente a 10% do respectivo incentivo ou benefício recebido pela empresa. A possível pressão que culminou no recuo do governador em tocar este projeto deve ter partido dos principais alvos do FEFAL. Todos os contribuintes que possuem benefícios fiscais para instalação das empresas em Alagoas teriam a obrigação de depositar o dinheiro, religiosamente, na reserva de capital. Eram as fábricas alcançadas pelo Prodesin [Programa de Desenvolvimento Integrado do Estado de Alagoas], os estabelecimentos com distribuição centralizada, os fabricantes de açúcar e álcool, o comércio atacadista, as operações com açúcar e álcool combustível e as distribuidoras de drogas, medicamentos e material médico-hospitalar. A única exceção de dispensa de recolhimento seria quando o total de saídas anual do contribuinte fosse igual ou inferior a R$ 3,6 milhões. Se o estabelecimento deixasse de efetuar o depósito integral por três meses consecutivos, o governo puniria o empresário com a suspensão definitiva dos incentivos ou benefícios fiscais. A nova lei, de nº 8.235/2020, foi aprovada no Poder Legislativo com emendas propostas pela Fecomércio [Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Alagoas], que contestou alguns pontos do projeto de lei encaminhado por Renan Filho. A federação propôs a inclusão de representantes dos setores produtivos no Comitê Gestor do Fundo, de forma consultiva e a inserção de áreas do comércio entre as que receberão recursos do Fefal para investimentos em infraestrutura. A entidade expôs dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) apontando que, em 2018, a parcela do ICMS do setor do comércio, em Alagoas, foi equivalente a 47% da arrecadação total do imposto. Ou seja, o comércio alagoano entregou ao Fisco estadual R$ 1,8 bilhão. E, por ser um setor que alavanca a arrecadação do ICM, precisa de investimentos advindos do FEFAL em sua infraestrutura, para continuar gerando emprego e renda, na avaliação do presidente da Fecomércio, Gilton Lima. No entanto, a previsão da Fecomércio acabou não sendo concretizada pela revogação do decreto. A instituição do Fefal seria até compreensível em um momento de calamidade como este. Com o recuo, o governo desliga o respirador das empresas que já se encontravam na UTI. Ele privilegia grandes atacadistas e empresas que são aquinhoados com o benefício do incentivo fiscal. Já o comércio e serviços, que empregam boa parte da massa trabalhadora e vêm sofrendo com as medidas da quarentena (quebrando e fazendo demissões), continuam sem prestígio no governo. O presidente da Aliança Comercial, Guido Júnior, disse lamentar mais esta atitude do governador, referendando o desprestígio ao setor que beira o colapso. Ele acredita que Renan Filho foi pressionado pelas indústrias que recebem incentivos fiscais e, por isso, voltou atrás da decisão. “Boa parte do comércio está com portas fechadas, o que acaba acarretando prejuízo para empresas, colaboradores e órgãos arrecadadores federal, estadual e municipal. Sugerimos abrir com horário reduzido, inclusive com parte dos colaboradores, mas não foi aceito. Com isto, temos expectativa, segundo pesquisa feita pela Aliança Comercial, de demissões em torno de 1.700 pessoas somente no centro da capital”, revela. Ela confirma que o cenário é bastante complicado e praticamente irreversível quanto aos danos causados pelo fechamento prolongado das lojas. “Tem empresa que não abrirá mais, inclusive. Sabemos do problema de saúde, mas, com cuidados, conseguiríamos reabrir, como já fez a indústria, mercados públicos, supermercados, bancos, lotéricas. Estes locais têm registro de aglomeração de pessoas e por que o comércio, bares, hotéis e restaurantes estão fechados?”, questiona o presidente da Aliança Comercial. Em nota, a Sefaz explicou que a medida precisa de uma decisão do Confaz. Segundo o órgão, o decreto foi equivocadamente publicado ainda em forma de minuta. Por isso, foi cancelado.