Brasília, DF - Com rejeição recorde devido à escalada de mortes pela Covid-19 e pressionado pelo centrão a mudar de postura, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) busca a adesão da cúpula do Poder Legislativo a uma coalizão de combate à pandemia na tentativa de evitar a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra a gestão federal. Ao mesmo tempo, no entanto, mantém uma retórica de enfrentamento com governadores e prefeitos que decretaram o fechamento de serviços não essenciais ou impuseram alguma restrição na circulação de pessoas, como é o caso do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul. Em conversa com apoiadores no final da manhã desta sexta (19), Bolsonaro ameaçou “adotar medidas duras” diante de um cenário que, segundo o presidente, aproxima-se do caos social. “Onde é que vamos parar? Será que o governo federal vai ter que tomar uma decisão antes que isso aconteça? Será que a população está preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso? O que é dura? É para dar liberdade para o povo, é para dar o direito do povo trabalhar”, afirmou. “Não é ditadura não. Uns hipócritas falando de ditadura o tempo todo, uns imbecis. Agora o terreno fértil para ditaduras é exatamente a miséria, fome, pobreza, onde o homem com necessidade perde a razão. Estão esperando o quê? Vai chegar o momento, eu gostaria que não chegasse o momento, mas vai acabar chegando”, disse Bolsonaro. “Não podem governadores e prefeitos usurparem da Constituição, via decretos, retirar o direito de ir e vir das pessoas. Isso é para estado de sítio, de defesa. Não é só eu, é Congresso também sendo ouvido”, acrescentou. As constantes referências de Bolsonaro sobre os estados de sítio e de defesa levaram o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, a telefonar nesta sexta para o chefe do Executivo, que desmentiu que tivesse defendido a medida e ainda comentou sobre o processo que protocolou no tribunal contra os governadores. A corte ainda não tem previsão para julgar o caso.
ESTRATÉGIA
Inicialmente, a ideia de Bolsonaro era atrair também o Judiciário para a empreitada de aliança com o Congresso para discutir medidas contra a pandemia, mas Fux rejeitou o convite. Nos bastidores, ministros da corte comemoraram a decisão. Na avaliação deles, ao participar de um encontro com Bolsonaro, Fux tornaria o Supremo cúmplice das políticas questionáveis do Executivo no combate à pandemia. A ideia do presidente é fazer com que a reunião com o Legislativo, prevista para a próxima quarta-feira (24), seja um primeiro passo para a criação de um comitê de enfrentamento à Covid-19, reunindo representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário. O apelidado gabinete de emergência discutiria, em encontros mensais, medidas para serem adotadas em conjunto no combate à pandemia.
ÚLTIMA CHANCE
A criação do comitê é considerada por deputados e senadores como a última chance dada pelo Congresso a Bolsonaro para mudar de postura e parar de criticar medidas de distanciamento social. Ela ocorre após o presidente ter escanteado o bloco do centrão na escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no comando do Ministério da Saúde. Além disso, com um aceno de conciliação, Bolsonaro tenta evitar a instalação de uma CPI no Senado para investigar ações e omissões do governo durante a pandemia. Os partidos do centrão reforçaram a pressão após a morte do senador Major Olímpio (PSL-SP), vítima da Covid. O requerimento para a comissão já conta com assinaturas suficientes, e a decisão cabe exclusivamente ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem evitado tomar uma decisão para não se indispor com Bolsonaro, padrinho político de sua vitória para o comando da Casa.