A preocupação de parlamentares, sindicatos dos servidores estaduais, dos aliados e adversários do governador Renan Filho (MDB) é a herança a ser deixada para o futuro gestor: obras milionárias inacabadas, acréscimo da dívida pública em cerca de R$ 10 bilhões e a maioria dos 50 mil servidores estaduais insatisfeitos. Todos os dias, o Diário Oficial do Estado publica ordem de serviço autorizada pelo governador para obras no interior, como a duplicação da rodovia AL-220 [Arapiraca - Delmiro], sem ter concluído a primeira etapa entre Arapiraca e São Miguel dos Campos. A duplicação de 30 quilômetros da AL-101 Norte, entre Maceió e Barra de Santo Antônio, iniciada em 2016, não chegou a 50% e ainda está empacada no bairro de Guaxuma, e obras de infraestrutura. Outros exemplos são as obras de ampliação do Centro de Convenções Ruth Cardoso, que envolve mais de R$ 10 milhões do governo federal e o Marco Referencial (antigo Alagoinhas), também com mais de R$ 9 milhões. Foram iniciadas em 2018 e estão lá, não acabam nunca e nem tem previsão. O governo promete ainda mais obras na saúde, educação, segurança pública e sistema prisional, em construção modular que beneficia um seleto grupo de cinco construtoras em detrimento de outras 100 pequenas e médias empreiteiras que cobram licitações individuais e construção convencional. Porém, muitas das obras prometidas sequer serão iniciadas porque a gestão Renan Filho deve acabar em abril, afirmam construtores preteridos. “Do governo Renan ficarão muitas promessas, como vem fazendo nesses sete anos”, afirmou o deputado David Maia (DEM) ao destacar que a duplicação da AL-220 até Olho D’Água do Casado dificilmente será concluída. “Hoje, aquele trecho do agreste ao sertão está cheio de crateras”. Destacou a situação de vias de acessos entre Maribondo e Taquarana, Anadia a Boca da Mata, entre outras do sertão e agreste que o governador abandonou cheia de buracos. “Agora, vem a história de que vai duplicar rodovias, é falácia, é mentira. São promessas”, disse o deputado, citando exemplos como a duplicação da AL-101 Norte, da própria AL-220, “promessas da primeira campanha eleitoral [em 2014] que não saíram do papel”. Os hospitais novos, segundo os deputados Davi Maia, Cabo Bebeto (PTC), Dudu Ronalsa (PSDB) correm o risco de se transformarem em “elefantes brancos” porque, de acordo com os parlamentares, são cabides de empregos, servem para engordar salários de um seleto grupo de servidores da saúde que ganham por plantões fantasmas e não funcionam como prometeram. “O governador está construindo na prática uma herança maldita. Quando ele sair é que teremos noção do tamanho do buraco para o futuro gestor”, disse Maia. Até o deputado Antônio Albuquerque (PTB), do chamado bloco de parlamentares independentes, diz conhecer irregularidades na gestão da saúde pública estadual. Há uma alta demanda reprimida de pessoal no Executivo estadual. Renan Filho está promovendo concursos públicos, como do último domingo, para a Polícia Civil. Mas ainda não está definido quando os aprovados serão contratados, observam as lideranças da Polícia Civil - delegados e policiais. Tudo indica que as convocações dos aprovados ocorrerão próximas do fim da gestão, imaginam os policiais. Os concursos em andamento não atendem nem um terço das necessidades da Segurança Pública, Saúde e Educação, lamentam os sindicatos destas categorias.
“BURACO”
Ao completar sete anos, o governo Renan Filho (MDB) deixará para o sucessor dívida pública acrescida em quase R$ 10 bilhões, inquéritos da Polícia Federal que investigam supostos desvios de dinheiro público na saúde, conforme a Operação Sucupira, para apurar suposto desvio de R$ 5 milhões na compra de respiradores para pacientes do coronavírus. Ainda tem a Operação Casmurro, deflagrada pelo Ministério Público Federal (MPF) e PF para investigar desvios de dinheiro do transporte escolar, desperdício de dinheiro público em obras milionárias financiadas pelo governo federal sem fim previsível. No campo administrativo, o funcionalismo desmotivado está preocupado com os concursos da educação, saúde, sistema prisional e segurança pública em andamento. Eles reclamam de perdas salariais de quase 20% e criticam a contrapartida do governo que oferece 4,75%. Os servidores temem que a herança comprometa o futuro governo. A dívida pública, que com o ajuste fiscal e renegociação com o governo federal, caiu de R$ 10 bilhões para R$ 7 bilhões, está voltando ao valor antigo. Os empréstimos superiores a R$ 2 bilhões autorizados pela Assembleia Legislativa preocupam o funcionalismo e os credores. Os recursos ainda não chegaram porque dependem de autorização do Congresso Nacional. “A dívida será cobrada no futuro e isto nos preocupa porque hoje é considerada impagável”, afirma sindicalistas como Irineu Torres, do Sindifisco. Ricardo Nazário da Silva, presidente do Sindicato dos Policiais, Maria do Socorro, do Sindicato dos Trabalhadores na Educação, lideranças militares e de outras categorias do serviço público temem que a gestão Renan Filho inviabilize o pagamento em dia dos salários, como ocorreu em 1997 na gestão de Divaldo Suruagy (naquele ano, o funcionalismo ficou até 11 meses com salários atrasados). O secretário de Estado da Fazenda, George Santoro, tem tranquilizado e afirmado insistentemente que as contas de Alagoas estão equilibradas. No balanço que parlamentares fazem do governo, “a gestão é marcada pela arrogância, prepotência, intolerância, burocracia e distanciamento político até da base de apoio”. Os deputados não escondem críticas ao “abandono” da agricultura familiar, educação e assistência social a mais de 50% da população (total de 3,3 milhões de Alagoas - IBGE). Outros destaques foram a falta de protagonismos no combate aos efeitos da pandemia, a elevação do desemprego e falta de perspectivas até para informalidade. O Ministério Público Federal, Estadual e a Polícia Federal evitam comentar “eventuais” investigações em andamento. Mas, garantem que a pandemia, apesar de criar alguns obstáculos para as ações presenciais, não interrompeu as atividades em curso. As mudanças na superintendência da PF também não abalaram as rotinas policiais. As instituições mantiveram atividades virtuais e presenciais. A assessoria de comunicação da PF assegurou que as investigações não pararam. O andamento dos processos nos MPF e MPE também não.
“CALOTES”
A imagem do Executivo estadual pode complicar ainda mais se a CPI do Senado, que investiga supostas omissões do governo federal no combate à pandemia do coronavírus, acatar o pedido do deputado David Maia para investigar a operação de compra de respiradores que nunca chegaram em Alagoas. O parlamentar quer depor. O “calote dos respiradores”, segundo Maia, representa prejuízo superior a R$ 5 milhões. O parlamentar encaminhou aos órgãos de fiscalização e controle federais e estaduais mais de mil documentos que, segundo ele, comprovam aplicação indevida de recursos da saúde com folhas paralelas, fantasma, pagamentos de plantões fantasmas, salários de vereadores, secretários municipais e até de articuladores políticos que supostamente trabalham em unidades hospitalares. A comissão do Legislativo não avançou nas investigações das compras de respiradores e outros insumos, feitas pelo Consórcio Nordeste. “Alagoas foi roubada. A gente quer que a CPI do Senado esclareça o prejuízo superior a R$ 5 milhões na compra de respiradores que nunca chegaram”, diz. Alagoas recebeu mais de R$ 200 milhões do governo federal para combater a Covid 19. O montante exato o secretário de Saúde Alexandre Ayres ainda não divulgou. O prejuízo causado na compra de insumos e respiradores, na verdade, atingiu a maioria dos nove estados do Nordeste. A transação foi feita com duas empresas. E numa das operações, o estado recebeu parte do dinheiro que pagou e ainda tem a receber R$ 600 mil. Na outra, continua Davi Maia, o estado não recebeu nada. Os respiradores desapareceram. O governo de Alagoas, via Procuradoria Geral do Estado (PGE), entrou com uma denúncia crime na Justiça comum do estado contra a operação de compra de respiradores. O juiz Alberto Jorge já se pronunciou e alegou que aquele não era o fórum adequado. A PGE recorreu ao Tribunal de Justiça. Já os números reais dos gastos com o combate à pandemia da Covid-19, em Alagoas, estão sendo apurados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-AL). O trabalho ocorre por determinação do Senado, que quer saber detalhes da aplicação nos 102 municípios.
NO LIXO
O deputado Davi Maia também lembrou o desperdício de dinheiro público em outras obras milionárias. O caso do Marco Referencial de Maceió, por exemplo, que envolve R$ 12 milhões e a obra deveria ter ficado pronta em 2017. O projeto foi refeito em 2020 e o governo de Alagoas prometeu entregá-lo em janeiro. Permanece parada. “Agora o governo quer devolver os recursos ao governo federal, sem executar a obra. O Marco Referencial mostra bem o que é o governo de Alagoas”. Destacou outra situação semelhante: a construção do Polo Tecnológico do Estado, que demorou oito anos para ser construído. O Canal do Sertão, que teve o trecho quatro concluído depois de sete anos e não tem data definida para iniciar o trecho cinco e nem de conclusão dos 250 quilômetros de canal, que chegou ao quilômetro 110 em quase 30 anos. Na Segurança Pública, citou as delegacias do Complexo Integrado de Segurança Pública (CISP), caras e construídas com paredes e material que se deteriora rapidamente. A maioria dos 27 deputados, inclusive os governistas, não escondem a decepção e frustração com a política agrícola. Quase todos são pecuaristas. Destacam que o sucateamento começa na Secretaria de Estado da Agricultura. A pasta, segundo os parlamentares, já teve quatro secretários e eles têm pouco a comemorar.