Preocupação ambiental
Megatorres na Lagoa da Anta podem agravar calor e poluição em Maceió, alertam especialistas
Construção de edifícios de até 15 andares pode elevar temperaturas e alterar ventilação em toda a região próxima ao Hotel Jatiúca

A construção de cinco megatorres de até 15 andares na região da Lagoa da Anta, em Maceió, pela Construtora Record, tem gerado debates e preocupações ambientais. O projeto, que ocupará a área do atual Hotel Jatiúca, levanta questões sobre o impacto no microclima local e o aumento das temperaturas na cidade. Especialistas consultados pela Gazeta indicam que essa preocupação com a verticalização de Maceió vem sendo pouco debatida, especialmente em relação à ventilação das áreas urbanas, com prédios cada vez maiores ganhando espaço.
“Deve-se pensar com muito cuidado a implantação de novas edificações, principalmente com relação à penetração da ventilação na área da planície litorânea, porque podemos estar criando áreas estagnadas em termos de ventilação. E isso causaria uma piora grande na qualidade do ar, porque não haverá renovação”, explica o coordenador do Grupo de Estudos da Atmosfera Climática Urbana (GATU), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Ricardo Victor.
Segundo ele, a concentração de material poluente é um dos fatores a serem levados em consideração. O fenômeno pode ser chamado de ‘cânion urbano’, quando há limitação de circulação do ar pelas fachadas dos edifícios. “Se for uma via por onde passam ônibus, por exemplo, é pior ainda. O material que sai do escapamento, da combustão do motor, vai ficar preso ali naquele ambiente. Esse cânion urbano vai ter um ar mais poluído, mais aquecido, porque não haverá dissipação. Esse é um dos maiores impactos”, explica.
A área onde está localizada a Lagoa da Anta era de restinga, ou seja, um ecossistema que possui fauna e flora características, assim como micro-organismos que sobrevivem em condições de beira de praia. Essas áreas são consideradas de proteção natural, com potencial para proteger a costa da erosão marítima.
“Com o aquecimento global, em que o nível dos mares irá subir, vamos precisar dessa proteção. Ali na Lagoa da Anta deveria ser transformado num parque, o que com certeza traria benefícios para a população. Uma área de lazer, de caminhada, de contemplação da natureza e do mar, bem como de recuperação da restinga, garantindo a proteção natural da costa e a prevenção de futuras erosões marinhas”, afirma a docente do curso de Ciências Biológicas da Ufal-Arapiraca, Aliete Bezerra.
Para ela, o impacto de um projeto como esse interfere não apenas no conforto urbano das pessoas, mas também afetará os prédios localizados atrás das torres, tornando-os mais quentes. O sombreamento causado pela altura dos edifícios também interferirá de forma negativa nas espécies marinhas que realizam fotossíntese.
“Eu acredito que o projeto naquela região é inviável. Poderia ser feito em qualquer outro lugar, menos ali. Ele vai causar muitos impactos negativos ao meio ambiente e à população. Maceió cresceu demais, tem muitos prédios, muito asfalto, então precisa de mais áreas verdes. Precisamos manter essas áreas protegidas, sem arranha-céus, sem tanto impacto urbanístico”, complementa.
O sombreamento, explica a bióloga Neirevane Nunes, ocorre quando edificações como prédios altos bloqueiam a incidência direta de luz solar em determinada área. Esse fenômeno acontece devido a um princípio básico da Física, chamado de propagação retilínea da luz, já que a luz viaja em linha reta até encontrar um obstáculo.
“A construção de cinco prédios de 15 andares na Lagoa da Anta, na Jatiúca, pode ter impactos importantes relacionados à formação de sombras, afetando tanto o ambiente natural quanto a dinâmica urbana. Isso pode alterar a temperatura, a umidade e o equilíbrio dos ecossistemas locais. Considerando que cada prédio desses tenha entre 45 a 48 metros de altura, a formação de sombras seria significativa ao longo do dia”, analisa.
Entre as consequências possíveis, Nunes elenca a redução da fotossíntese, a alteração da temperatura da água e a mudança no comportamento de espécies. Um exemplo é a iluminação noturna proveniente das torres, que tem potencial para interferir no comportamento das tartarugas marinhas que desovam na região durante a noite, ou desorientar os filhotes no momento do nascimento, quando devem seguir em direção ao mar.
“Precisamos avaliar a situação da orla de Maceió como um todo, pois o problema do sombreamento já está presente em várias regiões da cidade. Reafirmamos que a prioridade no momento é debater e aprovar o novo Plano Diretor, cuja proposta está pronta desde o ano passado, e garantir o cumprimento do ordenamento orientado tanto pelo Plano Diretor quanto pelo PGI. E, especificamente sobre a Lagoa da Anta, também deve se fazer cumprir o que foi estabelecido por ambos, que é a devolução dessa área ao município”, defende.
O biólogo Ubiratan Gonçalves ressalta que a maior preocupação é justamente salvaguardar a sobrevivência da Lagoa da Anta. “É uma das últimas, talvez a última nessa região inteira, lagoa que nós temos. Tem que haver condicionantes para que se mantenha a lagoa, até pela beleza cênica, por ser o último remanescente. Quem ficar com a área tem que ter a responsabilidade de manter esse ecossistema vivo”.